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Quatro versos, muitas histórias: a vida em trova de José Ouverney

Com mais de quatro mil trovas escritas e centenas de premiações ao longo da carreira, o trovador tem dedicado sua vida a essa forma poética breve e intensa, que une métrica, rima e inspiração em apenas quatro versos. Nesta entrevista, ele compartilha sua trajetória, recorda momentos marcantes e reflete sobre os desafios e o futuro da trova no Brasil.

Para começarmos, conte um pouco sobre sua trajetória como trovador: como a trova entrou na sua vida e que papel ela ocupa hoje na sua história pessoal e artística?

– Creio que a primeira vez que vi uma trova foi quando tinha 16 anos. Uma colega de sala de aula costumava transcrever versos em seu caderno e uma “quadrinha” chamou-me a atenção. Essa “quadrinha” era uma trova:

Tens um sinal junto à boca,
fonte de todo o meu mal;
ao beijá-lo fui punida
por avançar o sinal.

– Eu já escrevia poemas desde criança, influenciado por poetas do Romantismo, mas aquele estilo sucinto de exprimir uma ideia completa me encantou. Mais tarde eu ficaria sabendo que, para efeito de concursos, o primeiro verso também tem que rimar com o terceiro.

Você se lembra da sua primeira trova escrita? Qual foi o sentimento ao criá-la e, se possível, poderia compartilhá-la conosco?

– Da primeira exatamente eu não me lembro. Só sei que foi em 1967, quando o renomado poeta/trovador Orlando Brito passou por Pindamonhangaba e organizou dois concursos de trovas, utilizando os temas Rio (referência ao rio Paraíba) e Serra (inspirado na serra da Mantiqueira).

Como foi seu envolvimento com a União Brasileira de Trovadores e outros movimentos trovadorescos? Que importância esses espaços têm na preservação e difusão da trova?

– Tomei conhecimento da existência da UBT por volta de 1996, quando concorri e obtive minhas duas primeiras premiações. Há outros movimentos no país, mas a UBT, criada por Luiz Otávio em 1966, é a que congrega o número mais significativo de associados e simpatizantes. A UBT possui diretorias nacional, estaduais e municipais. Luiz Otávio é considerado um ícone da trova brasileira. Quando do lançamento do livro Meus Irmãos, os Trovadores, em 1956, a obra chegou a figurar por semanas entre as mais vendidas no Brasil.

Como você vê a relação entre trova e contemporaneidade? É possível ser moderno fazendo trova?

– Acho que a poesia, de um modo geral, anda perdendo a luta contra toda a modernidade que oferece um leque de atraentes alternativas. Muitas vezes nem mesmo nós nos ajudamos. Exemplo: já fiz a experiência de enviar para concursos trovas com outra linha de raciocínio, esquecendo um pouco os eternos temas saudade, amor, solidão, paz etc. Podemos falar de tudo isso, porém partindo para linhas mais modernas de abordagem do tema, mas as comissões julgadoras, em sua maioria, preferem apostar no estilo antigo. Assim como em humorismo a sogra continuará imperando por muito tempo.

Você já conquistou prêmios ou menções em concursos de trova? Qual reconhecimento mais marcou sua caminhada e por quê?

– Devo ter um pouco mais de 400 premiações, além de alguns títulos concedidos por comissões organizadoras: Magnífico Trovador, em Nova Friburgo; Exímio Trovador, em Caicó/RN; Notável Trovador, em Pouso Alegre; Trovador Mestre, em Taubaté, além de um título de Cidadão Honorário em Jambeiro, por serviços prestados voluntariamente quando lá residi e trabalhei.

A trova tem suas regras fixas e ao mesmo tempo uma grande liberdade temática. Quais são, para você, os maiores desafios técnicos e criativos ao compor uma boa trova?

– O termo é este mesmo: “compor uma boa trova”. As dificuldades em seguir as regras são enormes, envolvendo métrica e principalmente rima: primeiro verso com terceiro e segundo com quarto, sem esquecer o conteúdo. Tenho uma crônica ironizando o assunto. Grandes poetas tentam, mas não conseguem fazer “uma boa trova”, porque exige muito dispêndio de tempo. É preciso ter bom conhecimento geral, domínio do idioma e um vocabulário admirável. Em cima de tudo isso entra a inspiração para procurar o melhor caminho. Muitos preferem dizer que “a trova é um tipo de poema de menor expressão”. Já tive experiência promovendo Oficina de Trova para membros de Academia de Letras e o resultado poderia ter sido melhor. Menor dimensão, eu diria que sim, mas “menor expressão” nunca, desde que a trova tomada como referência seja de alto nível. Mas, da mesma forma, se formos comparar, há sonetos de péssima qualidade inundando a internet, e poemas livres então nem se fala. Costumo dizer que a internet é uma “fábrica de poetas”.

No site Falando de Trova, há destaque para diferentes temas (filosóficas, humorísticas, líricas etc.). Qual estilo de trova você mais se identifica e por quê?

– Gosto de todos os segmentos, desde que isso implique em se produzir algo de qualidade, mas, por ser adepto do estilo irônico, adaptei-me muito bem ao gênero humorístico. Mais melindroso também, porque expõe o autor com mais intensidade. O humor não comporta meio-termo: ou a trova faz rir ou faz chorar, rs. O risco é muito grande.

Você costuma participar de saraus, feiras literárias ou eventos públicos com trovas? Como é a recepção do público — especialmente o jovem — a essa forma poética?

– Em minha cidade raramente temos essa oportunidade. Quando ela surge, aí sim. Já levei a trova a várias escolas do município, já fiz palestra em trova em Centro de Idosos e estou sempre disposto a servir no que for necessário. Penso que o passo fundamental para que o jovem passe a gostar de poesia cobra dos professores de língua portuguesa essa iniciativa.

Como você enxerga o futuro da trova no Brasil? Que caminhos a nova geração de trovadores pode seguir para manter viva essa arte?

– A trova no Brasil atualmente passa por um processo interessante. A atual presidente nacional da UBT, Andréa Motta, de Curitiba, implantou definitivamente a trova na internet. Reuniões são feitas on-line, bem como transmissões de eventos, e hoje temos muito mais estados e consequentemente municípios engajados ao movimento. Por outro lado, percebo, quando sou convidado a fazer parte de comissões avaliadoras, que o nível atual deixa bastante a desejar. Temos voluntários extremamente dedicados que mantêm a tradição em pé, mas seria necessário que, a par disso, nas cidades onde se ensina a fazer trova, houvesse também um trovador de alto nível. Se você vai apresentar um projeto para uma autoridade e solicitar engajamento, tem que mostrar produtos que realmente convençam que o referido projeto vale a pena. Muitas vezes falta esse algo a mais.

Quais são seus planos para os próximos anos? Podemos esperar novos livros, participações ou projetos? E onde o público pode acompanhar seu trabalho?

– De minha parte, anseio lançar um livro sim. Tenho mais de 4.000 trovas armazenadas. Não costumo utilizar muito a rede social para divulgar meu trabalho. Minha participação maior é realmente através do site Falando de Trova, através dos links:
https://falandodetrova.com.br/joseouverney
https://falandodetrova.com.br/joseouverney301a
https://falandodetrova.com.br/ouverneyconverso

– Agradeço muito ao Professor Renato Cardoso e à revista Entre Poetas & Poesias pelo espaço generosamente concedido e estou sempre à disposição para quaisquer esclarecimentos a respeito da trova literária. Um abraço.

Entre lembranças de concursos, encontros com mestres e centenas de premiações, o trovador mostra que a trova segue viva — desafiando modismos, inspirando gerações e abrindo espaço também no ambiente digital. Com humor, lirismo e disciplina, sua trajetória reforça que essa forma poética breve pode carregar em quatro versos toda a força de uma vida dedicada à arte da palavra.


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Criada em 2020 pelo professor e poeta Renato Cardoso, a Revista Entre Poetas & Poesias é um periódico digital dedicado à valorização da literatura e da arte em suas múltiplas expressões. Mais que uma revista, é um espaço de conexão entre leitores e autores, entre a sensibilidade poética e a reflexão cotidiana.

Registrada sob o ISSN 2764-2402, a revista é totalmente eletrônica e acessível, com publicações regulares que abrangem poesia escrita e falada, crônicas, ensaios, entrevistas, ilustrações e outras formas de expressão artística. Seu objetivo é tornar a arte acessível, difundindo-a por todo o Brasil e além de suas fronteiras.

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