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JUNHO DE 2000 E POUCO

JUNHO DE 2000 E POUCO

Lembro de acordar cedo no sábado, da sensação boa de não ter que ir para a escola. Do gosto do Nescau e do pão de forma com manteiga – que na verdade era margarina, descobri depois. De sentar pra ver desenho quando ainda passava no canal 4 de manhã. Não tinha Youtube, ninguém que eu conhecia tinha internet em casa. Passava desenho de menino e de menina, você esperava passar aquele que gostava, mas via os outros também. Você tinha que ser forte igual ao cara do Dragon Ball, aprendia com ele a dar soco. O que conseguisse parecer melhor podia namorar com uma das Três espiãs demais. Qualquer hora, se você não botasse a cara na rua, podia vir alguém te gritar no portão. O grito de criança que não chegou na puberdade se confunde com o rádio que toca Detonautas, Luka, Exaltasamba, MC Leozinho e Felipe Dylon. Pediram pra sua mãe pra ver se tu podia brincar também. Tomara que eu possa. Tinha uma rapaziada boa pra jogar bola hoje. Você faz dois golzinhos de sandália havaiana, duas de cada lado. Vão três jogadores de cada lado, não tem goleiro, a bola não sai. Hoje eu falei que vou ser o Adriano Imperador. Jogo só para quando passar alguém. Não tem hora pra acabar, não tem limite de gol. Quando alguém tiver que sair a gente vê quanto tava o jogo. É vacilo você pegar a bola e sair chutando. Tem que dominar, carregar, tentar driblar até fazer o gol no chinelo. Claro, sem ser matão. Toca a bola, não tem três em cada time à toa. Toca menos pra quem for café-com-leite, geralmente o mais novo da rua. Mas toca. Se der a gente almoça. Se não der tá tranquilo também. De tarde passa padeiro por ali, de bicicleta, tocando buzina. Um real de pão de sal é coisa pra caramba. Se der sorte hoje ainda dá pra comprar mortadela. Ninguém toma café ainda. Bebe água trincando de gelada e volta para o jogo até o dono da bola ter que ir embora. Corpo doído pra voltar pra casa. Tampão do dedo ficou na rua. Mas tá maneiro. Dá pra juntar quem mora com você e ver a novela das sete ainda. Hoje não deu Malhação, mas essa novela é legal também, dá pra criança ver, é cheia de palhaçada. Não tem insônia depois de um dia desse, não tem tédio. Amanhã ainda é domingo – e ninguém lembrou que tinha dever de casa pra segunda. Mas agora segunda tem trabalho, até sábado tem trabalho. E você já viu o tipo de programa ruim que passa na televisão de manhã? Aquelas apresentadoras todas iguais falando para adulto o que fazer na sua casa. Mas sua casa não é igual a dela. Era legal aproveitar as coisas que não tinham nenhuma outra utilidade além de passar o tempo. Também é maneiro quando alguém te manda um whatsapp, mas não gritam seu nome na rua. Ninguém mais bate no portão. Talvez isso tudo esteja em falta, isso me preocupa. Aconteceu tão rápido, mas ainda não acabou. Pelo menos agora posso tomar um café. E escolher o que quero ver no Youtube.


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Criada em 2020 pelo professor e poeta Renato Cardoso, a Revista Entre Poetas & Poesias é um periódico digital dedicado à valorização da literatura e da arte em suas múltiplas expressões. Mais que uma revista, é um espaço de conexão entre leitores e autores, entre a sensibilidade poética e a reflexão cotidiana.

Registrada sob o ISSN 2764-2402, a revista é totalmente eletrônica e acessível, com publicações regulares que abrangem poesia escrita e falada, crônicas, ensaios, entrevistas, ilustrações e outras formas de expressão artística. Seu objetivo é tornar a arte acessível, difundindo-a por todo o Brasil e além de suas fronteiras.

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