@revistaentrepoetas / @professorrenatocardoso

12 cliques

Drão: um cântico visionário de Gilberto Gil

Há poemas que se explicam. Outros, vivem para sempre na delicadeza do não dito. “Drão”, canção composta por Gilberto Gil em 1981, pertence a esse segundo tipo. Com estrutura fluida, lirismo maduro e simplicidade monumental, é uma dessas obras que sobrevivem ao tempo porque não tentam vencê-lo, apenas o atravessam com beleza.

Regravada, reinterpretada, estudada, “Drão” carrega a potência de um hino. Mas é também um sussurro, um sopro. E talvez por isso tenha sido tatuada por Petra Gil — filha do cantor — que trazia o nome da música na mão como uma herança afetiva. Depois de sua morte precoce, “Drão” pode ser, para muitos, mais do que uma canção sobre separação de um amor, mas um rito de passagem. Um símbolo de continuidade. Um grão que, ao morrer, renasce.

Drão 

Drão
O amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar, ressuscitar no chão
Nossa semeadura

Quem poderá fazer aquele amor morrer?
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela estrada escura

Drão
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito, imenso monolito
Nossa arquitetura

Quem poderá fazer aquele amor morrer?
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora

Drão
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão

Quem poderá fazer aquele amor morrer?
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
Oh, oh
Drão

O amor como semente  e o traço Visionário

“O amor da gente é como um grão / Uma semente de ilusão / Tem que morrer pra germinar”

Logo nos primeiros versos, Gil apresenta a chave poética da obra: o amor não como posse, mas como ciclo. É um amor que não se apega ao agora, mas aceita o fim como etapa para algo mais profundo. Isso é próprio do traço visionário: aquele que não se alimenta de afeto direto, mas de transcendência, metáfora e contemplação.

No visionário, não há drama. Há poesia. Não há lamentação explícita. Há entendimento sutil de processos complexos da alma e do tempo. O amor é “vão”, ou seja, livre, aberto, imenso. Como o próprio Gil canta: “O verdadeiro amor é vão / Estende-se infinito, imenso monolito.”

O ritmo da aceitação: arquitetura, caminhada e eternidade

“Nossa arquitetura” / “Nossa caminhadura”

Gil escolhe palavras que não existem no dicionário, mas que fazem todo sentido no coração. Ele fala da estrutura invisível que sustenta os vínculos: arquitetura. Fala também da jornada vivida em conjunto: caminhadura. Ambos os termos têm força simbólica. Mostram que o amor, mesmo que termine, não desaparece. Ele muda de forma, mas permanece em essência.

Esse tipo de pensamento é uma das marcas mais sofisticadas do visionário: a capacidade de suportar a perda sem negar a beleza do que foi vivido. É o amor que “vive, morre, pão”. Morre para alimentar. Morre para renascer.

Uma possível elegia, e a poesia como consolo

Embora composta anos antes, “Drão” ganhou outra camada de sentido após a morte de Petra Gil porque fala da permanência simbólica do amor, mesmo depois do fim. A música vira elegia. Vira gesto de memória. E nos mostra o quanto a arte pode servir como ponte entre o agora e o eterno.

Para ouvir, reler e deixar ecoar

A beleza de Drão está em que cada verso diz o essencial sem exageros. Cada imagem tem profundidade, mas nenhuma é pesada. Não há vitimismo, não há ressentimento. Só há aceitação. Uma aceitação corajosa, digna — uma bela forma de amor, talvez.

Em tempos de vínculos frágeis e expressões rasas, essa canção pode ser um excelente ponto de partida para reflexões com jovens e educadores sobre amor, separação, espiritualidade, permanência e perda. Ela abre espaço para ouvir histórias pessoais e enxergar a poesia como instrumento de cura.

💌 Gostou do texto? Então se inscreva gratuitamente na Revista Entre Poetas e Poesias e receba novos artigos toda semana no seu e-mail.

Eu sou Camila Lourenço Covre, especialista em desenvolvimento humano e linguagem comportamental. Acredito que a comunicação é a chave para decifrar a alma humana e construir conexões mais profundas. Se você se interessa por esses temas, acompanhe meu trabalho no Instagram: @camilaslourenco.


Descubra mais sobre Revista Entre Poetas & Poesias

Assine gratuitamente para receber nossos textos por e-mail.

Deixe um comentário

Sobre

Criada em 2020 pelo professor e poeta Renato Cardoso, a Revista Entre Poetas & Poesias é um periódico digital dedicado à valorização da literatura e da arte em suas múltiplas expressões. Mais que uma revista, é um espaço de conexão entre leitores e autores, entre a sensibilidade poética e a reflexão cotidiana.

Registrada sob o ISSN 2764-2402, a revista é totalmente eletrônica e acessível, com publicações regulares que abrangem poesia escrita e falada, crônicas, ensaios, entrevistas, ilustrações e outras formas de expressão artística. Seu objetivo é tornar a arte acessível, difundindo-a por todo o Brasil e além de suas fronteiras.

Com uma equipe formada por escritores de diferentes idades e áreas do conhecimento, buscamos sempre oferecer conteúdo de qualidade, promovendo o diálogo entre gerações e perspectivas diversas.

Se você deseja ter seu texto publicado, envie sua produção para:
revistaentrepoetasepoesias@gmail.com

Acesse: www.entrepoetasepoesias.com.br
Siga no Instagram: @revistaentrepoetas / @professorrenatocardoso
Canal no WhatsApp: Clique aqui para entrar

PESQUISA