A Floresta da Tijuca é natural? Quem respondeu “sim”, se enganou. Ela foi reflorestada na segunda metade do século XIX. Incrível, não é? E nós, com todo o avanço científico e tecnológico, ainda achamos as crises ambientais sem muita solução.
O processo de recomposição dessa mata possui dois aspectos de destaque. O primeiro é a iniciativa ecológica, pioneira em si. O segundo é o reconhecimento dos onze escravizados responsáveis pelo trabalho de mais de uma década.
No que se refere à questão ambiental, sem a atual floresta, nossa cidade seria 4 a 6 graus mais quente. Conseguem imaginar o sufoco? As matas nativas tinham sido devastadas para extração de recursos e plantio de café. Como estas plantas demandam muita umidade do solo, a capital do país estava sofrendo uma séria falta d´água. Teria sido o fim da Corte, não fosse o imperador D. Pedro II reunir técnicos, engenheiros e solicitar um plano de recuperação que estabilizasse a oferta hídrica. A solução foi a desapropriação dos cafezais e o reflorestamento do Maciço da Tijuca com plantas típicas da Mata Atlântica.
Parece simples? Mas não foi. As mudas eram trazidas de Campo Grande, na zona oeste. Este bairro e a Tijuca distam 54 km. Hoje, temos estradas e vias asfaltadas, mas, em meados do século XIX, não. As viagens foram feitas em burros e carroças. Não havia escavadeiras, tratores, nem nada parecido disponível. Era um trabalho manual, duro e lento. E quem o realizou? Um grupo de escravizados.
Em 25 de março de 2025, por meio da aprovação na Alerj do Projeto de Lei 605/23, essas onze pessoas entraram para o livro de heróis e heroínas do estado do Rio de Janeiro: Maria, Constantino, Eleuthério, Leopoldo, Manoel, Matheus, Sabino, Macário, Clemente, Antônio e Francisco. Também se inaugurou uma placa em sua homenagem num monumento ao lado do Centro de Visitantes da Floresta da Tijuca. Nesse processo, foi necessário realizar um ajuste na legislação para serem aceitas, em tal registro, pessoas sem sobrenome. A iniciativa ganha mais relevância num contexto de valorização de indivíduos marginalizados pela sociedade, sem os quais o reflorestamento teria sido uma empreitada condenada ao fracasso.
Para além do respeito devido a esses personagens históricos, nos cabe refletir, a partir do exemplo, sobre nossa responsabilidade ecológica. Claro que as ações de maior peso dependem de decisões governamentais, como a do imperador, propondo desapropriações e plantio das mudas, visando a atender à coletividade. No entanto, toda comunidade se faz pela soma dos indivíduos. Somos responsáveis pelo bem-estar geral, conservando, reciclando, renovando, escolhendo, da melhor maneira possível, nossos representantes e cobrando deles ações positivas. Nunca é algo fácil, pois depende de escolhas, de abandonar certos confortos para garantir a vida. Ainda assim, aqui mesmo no Rio de Janeiro, num passado recente, mostrou-se uma alternativa possível.
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Notas da autora:
Esta crônica foi escrita a convite de meu sobrinho, editor do jornal de sua escola, na Tijuca, Rio de Janeiro, e publicada, originalmente, na edição de 23/06/2025. Apresento, aqui, a versão expandida.
Em 2021, fui selecionada entre os vencedores do Prêmio Rio de contos – 2ª edição com o conto “Oore yèyé o”. Nele, recrio o episódio do reflorestamento sob uma perspectiva mágica, a partir do testemunho da escravizada Maria. A história foi publicada em 2024, no livro Rio de contos 2, organização de Bárbara C. Caldas, pela Mater editora.


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