Não digo o que houve no dia. Falarei apenas de seu fim e da volta para casa. Importa o que aconteceu durante todo o dia? Não. O importante é o recorte dele: o retorno para o lar nessa chuva melancólica. Creio que o leitor não se importa com narrativas longas e fastidiosas. Ninguém quer saber como foi esse dia – mas apenas o recorte, o mais importante: o céu derramando sobre mim seu forte e triste lamento.
O fim do dia começou com o retorno para casa. Uma ruazinha comum, com vendinhas e hortifrutis. Algo muito comum em comércios de bairro. As pessoas também voltavam para casa, após o longo dia de trabalho. Umas passavam nas feirinhas para comprar mandioca, banana, maçã e não se sabe mais o que. Não importa muito. O imprescindível é que estava chovendo bastante.
A chuva era forte, o vento também. Trouxe guarda-chuva. Um pequeno e gasto – com uma ou duas pontas soltas e seu material também um pouquinho desgastado pela ação do tempo. Era um grande companheiro. Cobriu-me das gotas de água que caíam do céu há muitos anos. Foi como um guarda-costas que me protegia. Pode ser também um leão-de-chácara. Apesar de minúsculo, quase uma sombrinha, era obstinado em me proteger.
No entanto, a chuva era muito forte. Havia também o vento. As gotículas que caíam do céu, todas agrupadas como soldados avançando na linha de frente para o ataque, eram um lamento do céu noturno. Eram lágrimas de um céu cansado – como eu – após dias ensolarados, ressecando a terra, que agora jaz molhada e úmida. E o meu guarda-chuva? Coitado, estava capengando em me defender da torrente lamurienta dos céus e do vendaval indomável, que mais se assemelhava a um mar revolto. Eu e o objeto éramos um barquinho em meio ao oceano tentando retornar à terra firme.
O pequeno e gasto guarda-chuva não resistiu: voou para longe, suas hastes não suportaram o sopro forte do céu – semelhante ao de uma criança assoprando seu joelho ralado para ver se melhora, sofrendo como se tivesse que amputar a perna – e ele foi embora. Fiquei sem a proteção do meu guarda-costas, em meio à hostilidade do caminho. Agora, tinha que me virar sem meu leão-de-chácara, que me acompanhou por longos anos.
As lágrimas caindo não eram apenas do alto do céu, mas minhas também. Senti que perdi um amigo em meio à guerra – morto pela saraivada do inimigo. O temporal, hostil, não me perdoaria. Agora eram dois sofrimentos: a melancolia do céu e a minha, na terra.


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