Eu sou professor, como todos sabem, mas no dia 21 de junho de 1989, uma quarta-feira, eu faltei ao trabalho, no Colégio Estadual Evaristo da Veiga, no Campinho, Jacarepaguá, onde dava aulas 2ª, 4ª e 5ª, à noite, para ir ao Maracanã, atendendo a uma convocação do jogador Paulinho Criciúma que, numa rádio, disse à torcida do Botafogo, o meu time, que comparecesse sem medo, porque aquela data entraria para a história dos alvinegros.
E não deu outra.
Fui com meu irmão, Marco, e os amigos – Ricardo, Cebola, Marco Careca (falecido), Robésio, todos botafoguenses, e os solidários Murilo e Roberto, tricolor e vascaíno, respectivamente. Estacionei o carro do meu sogro na época, um fusca 69, vermelho, cuja placa, alvissareira, lembrava o título que nos valeu o epíteto de “Glorioso”: PV 2910 na rua Felipe Camarão e caminhamos, eu, meu irmão, Roberto e Marco Careca ao encontro dos demais. Como não havia celular, os encontros eram marcados com antecedência e os horários, por isso, eram respeitados. Encontramo-nos em um bar em frente ao portão 18 e bebemos lá algumas (muitas!) cervejas até a hora de entrar.
Chovia e, para nós, cariocas, até fazia frio. Por isso, estava de jaqueta jeans por cima da camisa do Botafogo com a qual ia ao Maracanã sempre, cumprindo uma promessa secreta de só aposentá-la após a conquista de um título. Subimos a rampa meio silenciosos, com exceção do Murilo, fanfarrão por natureza, além de torcedor do Fluminense – talvez por isso…, e do Roberto, meu cunhado, que nutria, como bom vascaíno, ódio mortal pelo Flamengo e não cansava de nos incentivar a gritar e a cantar.
Buscamos o último degrau das arquibancadas do lado direito das cabines de rádio, quase atrás do gol. Gostávamos daquele lugar pelo acesso fácil ao bar e ao banheiro. Lá ficamos, espremidos, porque, com a chuva, os torcedores fugiam dos lugares descobertos e se amontoavam na parte superior do “anel do Maracanã”.
Antes de o jogo começar, estabelecemos que faríamos um revezamento para comprar cerveja, para que todos vissem o jogo igualmente. Quis ser logo o primeiro a ir, mas isso não me livrou de ter de voltar algumas vezes mais ao bar, ao longo do jogo, que a sede e a tensão eram imensas.
Na metade do segundo tempo, eu me preparava para ir ao banheiro – devo confessar que urinávamos na parede externa do Maracanã, olhando a UERJ… – quando o juiz inventou uma falta contra nós próxima à nossa grande área. Prendi a vontade de fazer xixi e, como todos no estádio, fiquei em silêncio para assistir à cobrança. Os do lado de lá, esperançosos; os de cá, apreensivos. Tudo porque o cobrador seria o Zico. Após alguns minutos de grande tensão, o UUUhhhhhh que vinha da torcida da esquerda das cabines e a explosão de alegria que se deu entre nós tinham o mesmo motivo: o Galinho cobrara para fora a sua última oportunidade de interferir naquela disputa porque, em seguida, seria substituído. Era bom demais para ser verdade: Zico perdia uma chance que não costumava desperdiçar e, ainda, por cima, deixava o gramado. Parecia um prenúncio do que viria.
Como não aguentava mais de vontade de mijar, subi um degrau e me dirigi ao banheiro (vide algumas linhas acima), mas algo me chamou a atenção: os torcedores do Botafogo, meus amigos e alguns estranhos, estavam na ponta dos pés, emitindo urros de quem está prestes a gozar. Sim, foi essa a impressão que me deu. Já tinha começado a urinar quando a gritaria explodiu. Voltei para a arquibancada ainda urinando, com o “pinto” de fora, querendo confirmar o que eu achava que era: o Botafogo tinha feito um gol. Meus amigos se abraçavam, uns rolavam no chão de alegria. O Careca, ajoelhado, repetia o sinal da cruz infinitamente. Meu irmão, ao me ver, veio ao meu encontro, me abraçou e o resto de urina que eu ainda tinha para fazer fiz incontinentemente na perna dele, que nem reparou. Consegui, nem sei como, me refazer e fechar a braguilha, enquanto perguntava aos ensandecidos amigos botafoguenses de quem tinha sido o gol.
O jogo recomeçou, e a vez de buscar cerveja era minha.
Subi os degraus que levavam ao corredor que circunda as arquibancadas e, em meio à euforia, descobri que o bar que nos abastecia já não tinha mais cerveja. O atendente me aconselhou a procurar outro um pouco mais pra frente. Errei a direção e, em vez de caminhar para a minha direita no estádio, fui no sentido contrário, passei as tribunas e, quando dei por mim, estava num bar já na torcida do rival.
Ao perceber o perigo que corria, fechei atabalhoadamente a jaqueta, para esconder a camisa do Botafogo que usava, e completei a compra. Infiltrado, vi nas trincheiras inimigas os primeiros torcedores adversários deixando o estádio, incrédulos com o que viam e que para eles era impensável: o time que tinha Zico, Zinho, Aldair, Zé Carlos, Leonardo, Bebeto, Alcindo e Jorginho, entre outros, perdia um título para o seu maior rival que contava, na época, com um time reconhecidamente inferior.
Tomei o caminho de volta, carregando com dificuldade os copos de cerveja e passei direto pela rampa por onde desciam vários torcedores do Flamengo. Um rubro-negro, ao me ver indo na direção da torcida do Botafogo até gritou: “Ô, maluco: aí é a torcida dos caras! Quer morrer?”
Fingi que não ouvi e segui em frente, com um sorriso nos lábios. Quando me senti a uma distância segura, pus as cervejas na mureta do estádio, abri a jaqueta jeans, como o super-homem fazia nos filmes, e gritei para a urubuzada com o que me restava de voz: Foooogooooooooo!
E corri para junto dos meus, para acompanhar, nervosíssimo, o resto da partida.


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