Em tempos de apagamento cultural e desinteresse pelo que é local, a literatura de Erick Bernardes surge como um sopro de resistência e pertencimento. Gonçalense de origem e por convicção, o autor e pesquisador se destaca por transformar o cotidiano dos bairros da cidade em crônicas cheias de poesia, memória e identidade. Com os cinco volumes da série Cambada e a coletânea de contos Panapaná, ele desenha, com palavras, um verdadeiro mapa afetivo e simbólico de São Gonçalo — onde cada esquina guarda uma história, uma lenda ou um sussurro do passado.

Bernardes é doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Estudos Literários pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), professor da rede municipal de ensino de São Gonçalo e da Rede Adventista, além de membro ativo da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), da Academia Gonçalense de Letras, Artes e Ciências (AGLAC) e do Instituto Histórico, Geográfico e Ambiental de São Gonçalo (IHGASH). É também fundador da Academia Gonçalense de Literatura de Cordel (AGLC). Multiplicador de saberes, escreve para o portal Mapa das Letras e assina colunas no Jornal Daki — veículo que acolheu suas primeiras publicações literárias e lhe rendeu a alcunha de “cronista do mangue”.
“Cambada”: crônicas de um lugar chamado casa
O nome Cambada pode soar estranho à primeira vista. Mas basta folhear algumas páginas para compreender a escolha: ele vem do coletivo de caranguejos, animais dos manguezais abundantes na região, resistentes e ágeis, capazes de andar para os lados e sobreviver em terrenos inóspitos. “Cambada” é, assim, metáfora viva do povo gonçalense — lutador, criativo, resiliente.
A série Cambada, hoje composta por cinco volumes, reúne crônicas que passeiam por bairros e sub-bairros de São Gonçalo, revelando histórias, curiosidades e lendas urbanas que pouco aparecem nos livros de história oficial. O autor nos conta, por exemplo, que o bairro Rocha herdou esse nome de um político influente, que o bairro Várzea das Moças homenageia as filhas de um fidalgo local, e que a Parada 40 abriga um raríssimo relógio solar de dupla face. Há ainda os casos mais pitorescos, como o sub-bairro Coroado, batizado por semelhança com a fictícia cidade da novela “Irmãos Coragem”.
As narrativas de Bernardes — ora baseadas em documentos, ora colhidas de relatos populares — resgatam a oralidade da cidade. Ele percorre com sensibilidade lugares como Legião, Conga, Buraco do Pato, Pantanal, Galo Branco e Coió, compondo um retrato multifacetado da vida suburbana, de seus mitos e personagens. Cada livro recebe uma capa colorida que homenageia caranguejos nativos de SG.
Erick visita escolas, dá palestras e mantém um contato direto com os leitores — muitos dos quais se veem retratados em suas crônicas. Isso não só democratiza o acesso à literatura, como transforma os próprios moradores em guardiões e transmissores de suas histórias.
Para adquirir os livros autografados ou acompanhar o autor: Instagram: @cambada123.
“Panapaná”: um voo pelo sombrio da alma brasileira
Se em Cambada o tom é afetivo e narrativo, em Panapaná o mergulho é no obscuro, no visceral, no gótico tropical. Publicado em 2018 pela editora Autografia, o livro reúne contos curtos e densos, que colocam o leitor diante do limite entre o real e o fantástico. A palavra panapaná, de origem tupi, designa um grupo de borboletas, e o autor a usa para sugerir inquietação, transformação e fragilidade — uma leveza que esconde sombras.
Em contos como “Beemote”, o leitor é transportado para edifícios antigos carregados de simbolismos religiosos e históricos, com ecos de escravidão e satanismo. Em “Panapaná”, que dá nome ao livro, a narrativa se inicia com a descrição brutal da decomposição de animais, causando desconforto imediato. Essas cenas servem como metáforas para a decadência humana, para a podridão social e para o passado não resolvido.
A escrita de Erick em Panapaná é imagética, quase cinematográfica. Os contos se passam em fazendas esquecidas, cidades fantasmas, rios secos e casas decrépitas. A atmosfera lembra o terror psicológico latino-americano e a literatura gótica britânica, mas com forte identidade nacional. O passado colonial, a religiosidade popular e os traumas históricos do Brasil são o pano de fundo de uma ficção que, mesmo breve, é intensa como uma ferida aberta.
Por que ler Erick Bernardes hoje?
Porque sua obra é um chamado à memória coletiva. Em um tempo em que se apaga o que é local, o que é de dentro, Erick acende faróis sobre becos e bairros esquecidos. Ele transforma os caranguejos do mangue em personagens heroicos, e os mitos de beira de estrada em épicos suburbanos. Seja na crônica ou no conto, o autor cria uma ponte entre a São Gonçalo real e a São Gonçalo imaginada — ambas legítimas, ambas nossas.
Se você busca uma literatura viva, pulsante, com cheiro de terra molhada e o gosto agridoce da memória, leia Cambada. Se procura um mergulho existencial e perturbador, que une história, mito e medo, leia Panapaná. Em qualquer dos caminhos, encontrará a marca de um escritor que tem compromisso com sua terra e com a potência da palavra.
Para conversar com o autor ou adquirir suas obras: @cambada123


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