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Quer uma mordida?

Cenário: uma quermesse junina, no dia de santo Antônio. Cena: o menino se aproxima da garota com algo escondido atrás das costas. Olha nos seus olhos, entre tímido e encantado. Ela espicha a cabeça por sobre os ombros dele, para um lado e para o outro, tentando descobrir o objeto oculto. De supetão, ele estende os braços. Nas mãos, agarrado bem firme, o longo palito. Na ponta, uma vermelha, redonda e enorme maçã do amor. A menina recebe o regalo e, imediatamente, lhe tasca uma dentada.

— Huuummmmm, que delícia! Quer?

O guri não esperou o segundo convite. Segurou as mãos dela nas suas, o palito sujeito por ambos, e deu uma mordida.

— Pequena! Não vá tirar proveito do presente — ralhou ela, com um sorriso maroto.

Logo, os dois saíram correndo, alternando risos, bocadas na fruta e mãos enlaçadas. Perderam-se entre as barracas, despreocupados, em busca de diversão.

O episódio é uma amostra da graça da inocência infantil, quando a vida pode ser uma completa aventura festiva. Ou, como ocorreu com outro moleque, uma grande tragédia. Esse, ao contrário do pequeno casal, viu ir ao solo sua preciosa maçã, após um encontrão com algum passante afoito, sendo assolado por soluços doídos, até seus pais afetuosos o socorrerem.

Mas, de onde viria a tal maçã do amor? Por que se chamaria assim? Achei, num jornal de 2012, um breve histórico, afirmando ser invenção de um espanhol emigrado para o Brasil. Em São Paulo, por volta de 1955, ele teria aproveitado uma guloseima já existente nos Estados Unidos – a maçã caramelizada – para tirar seu sustento em terras brasileiras. Acrescentou a cor vermelha e lhe deu um nome sugestivo, inspirado em Adão, Eva e no episódio do fruto proibido.

Ora, para mim, prefiro creditar a culpa da designação aos atributos sensoriais do doce. A redondeza do fruto, evocando um coração, sua cor vermelha brilhante e a doçura do açúcar são suficientes para pensar, metaforicamente, em amor. Não lhes parece?

Nem todos apreciam petiscos tão adocicados. Tampouco a vivência amorosa precisa ser melosa. Porém, há uma aura romântica nesse ofertar uma maçã do amor à namorada ou, machismos à parte, ao namorado. Se compartilhada a guloseima, digamos que a coisa fica ainda mais interessante.

Seja como for, a gulodice e o deleite gustativo experimentado por alguns também poderiam remeter a outras formas mais sensuais de prazer. A cor e o brilho da tal maçã, assim, evocariam um tipo diferente de relação. Sendo esse o caso, a associação com o fruto proibido ofertado a Adão por Eva, ao invés de amor, levaria a supor um sentimento mais quente. Teria pensado nisso o tal espanhol?


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10 respostas para “Quer uma mordida?”.

  1. Avatar de jetcomterminaldecomunicaes
    jetcomterminaldecomunicaes

    Quando criança tinha fascínio pelas maçãs do amor que via nos filmes ou em novelas como Minha Doce Namorada. Eis que, ao experimentar minha primeira maçã do amor, a decepção: a cobertura era dura e doce demais e a fruta em si estava muito ácida. Foi frustrante e nunca mais comi outra.

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    1. Avatar de Cristina Vergnano

      Pois eu, Nastasi, ainda comi várias, embora preferisse as uvas do amor. O doce com o ácido combinavam bem para o meu gosto. Hoje, já não curto tanto açúcar, mas, quando criança, sim. Boa lembrança da “Minha doce namorada”! Pena que, ao que parece, esta novela se perdeu. Eu gostaria de vê-la ao menos no projeto Fragmentos, pra matar a saudade da infância. Valeu pela leitura! Bj.

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  2. Avatar de OSVALDO L C OTERO
    OSVALDO L C OTERO

    As festas juninas nos transportam de volta à infância e adolescência. Em cada um de nós ainda bate um coração de menino, que se alegra com a presença da amada e com a troca de afeto tão bem representada pela maçã.

    Parabéns pela crônica, singela e tocante, além de didática, nos informando sobre a origem da guloseima.

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    1. Avatar de Cristina Vergnano

      Obrigada pela leitura e comentário, Osvaldo. Realmente, as festas juninas têm sabor de infância, inocência e carinho. Ao menos, eu sinto assim. Fico feliz por ter conseguido fomentar essas memórias. Abraço.

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  3. Avatar de Erick Labanca
    Erick Labanca

    Excelente crônica! 👏🏻👏🏻👏🏻

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    1. Avatar de Cristina Vergnano

      Obrigada, Erick, pela leitura e pelo comentário! Bom ter você por aqui na Revista.Abç.

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  4. Avatar de William
    William

    A simplicidade da juventude que as pessoas, depois de adultas, só admiram mas insistem em abandonar em algum momento da vida. Quero mais maçã do amor. Eu adoro junho!

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    1. Avatar de Cristina Vergnano

      Afortunadamente, temos ainda bastante gente que cultiva hábitos ingênuos, simples e leves. O mundo e as pessoas precisam disso. Obrigada pela leitura e pelo comentário, William. Bom ter você por aqui na revista. Abç.

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  5. Avatar de BERNARDETTE MARIA FAGUNDES DO AMARAL
    BERNARDETTE MARIA FAGUNDES DO AMARAL

    Adorei a crônica … uma delícia!!

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    1. Avatar de Cristina Vergnano

      Que bom que você gostou, Bernardette! Agradeço pela sua leitura e comentário. Gostei bastante de escrever esta crônica. 😉
      Bjs.

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Criada em 2020 pelo professor e poeta Renato Cardoso, a Revista Entre Poetas & Poesias é um periódico digital dedicado à valorização da literatura e da arte em suas múltiplas expressões. Mais que uma revista, é um espaço de conexão entre leitores e autores, entre a sensibilidade poética e a reflexão cotidiana.

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