Nem toda transformação começa com uma grande revolução. Às vezes, o que muda tudo é um gesto pequeno, uma presença que ilumina um ponto escuro da mente, uma conversa que abre espaço para respirar melhor por dentro. O poema Senhor do Tempo, do meu livro Rosa Apaixonada, nasceu assim: como um acróstico silencioso de gratidão a quem, mesmo sem atender todas as minhas expectativas de “cura”, me ajudou a dar os primeiros passos rumo à minha própria reconstrução.
Senhor do Tempo
Mesmo que o tempo passe sem parar,
Ainda quero ver rodar as horas
Ritmada, sem nenhuma pausa, ah!
Como passam as horas redentoras!
Ontem tudo era dor e solidão
Sem porque hoje é só imensidão!
Lembro de tudo que me trouxe até aqui
Esperança, medo, alegrias e lágrimas,
Imaginei “nada há além dali”,
Chaves perdidas e portas trancadas.
Até que alguém clareou a escuridão, e
Mostrou o senhor do tempo: o coração.
Quando o tempo passa, mas a alma para
“Mesmo que o tempo passe sem parar, / Ainda quero ver rodar as horas / Ritmada, sem nenhuma pausa”
Esses versos já anunciam o desejo de organização, de sentido, de estrutura — característicos do traço Realizador (Traço Rígido). A rigidez emocional que, muitas vezes, nos prende às expectativas de controle, de previsão, de continuidade sem falhas. Mas aqui, essa rigidez já aparece em processo de amadurecimento: ela quer ritmo, mas também aceita o movimento.
“Ontem tudo era dor e solidão / Sem porque hoje é só imensidão!”
A dor dá lugar ao alívio. Não porque tudo se resolveu, mas porque houve um deslocamento interno. O Realizador em recurso reconhece que não precisa mais controlar tudo para sentir alívio. O tempo segue — e com ele, o corpo e a alma também seguem.
O Orador que aprende a reconhecer o que recebe
“Lembro de tudo que me trouxe até aqui / Esperança, medo, alegrias e lágrimas”
Aqui é o traço Orador (Traço Oral) que se revela. O reconhecimento da caminhada afetiva, da intensidade emocional, da mistura de sensações que compuseram a jornada. O Orador se alimenta das relações, e também sofre quando elas não são como ele esperava. Mas neste poema, esse traço também aparece em amadurecimento: ele aprendeu a agradecer mesmo pelo incompleto.
“Imaginei ‘nada há além dali’ / Chaves perdidas e portas trancadas”
O Orador em dor muitas vezes acredita que a dor será permanente. Que o ciclo fechado nunca mais vai se abrir. Mas bastou uma faísca:
“Até que alguém clareou a escuridão”
Esse “alguém” não precisa – e nem poderia – ser o salvador. Pode ser apenas o primeiro rosto amigo, o primeiro ouvinte, o primeiro terapeuta que mostrou que havia, sim, caminho. Que não era preciso resolver tudo, apenas começar.
A sabedoria do coração
“E mostrou o senhor do tempo: o coração.”
O encerramento do poema é também sua chave interpretativa. O tempo não se resolve no relógio, mas no sentir. O que foi curado aqui não foi apenas o pensamento ansioso, mas o espaço afetivo. O coração, ao ser olhado, volta a bater com propósito.
A gratidão que abre caminhos
Esse poema foi escrito em homenagem a um terapeuta que não me ofereceu todas as respostas, mas me deu algo essencial: um ponto de partida. Uma escuta inicial. Uma sensação de que existia, sim, um depois.
E foi essa abertura que, mais tarde, me levou à análise corporal, ao autoconhecimento profundo e à compreensão de quem sou e de como funciono. Hoje, olho para esse poema com gratidão madura, reconhecendo nele a semente de tudo que veio depois.
Se você também viveu encontros que não resolveram tudo, mas te empurraram um passo adiante, talvez este texto também seja para você.
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Eu sou Camila Lourenço Covre, especialista em desenvolvimento humano e linguagem comportamental. Acredito que a comunicação é a chave para decifrar a alma humana e construir conexões mais profundas. Se você se interessa por esses temas, acompanhe meu trabalho no Instagram: @camilaslourenco.


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