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O fim do livro

Consegui chegar ao fim do livro que li penosamente durante quatro meses. Nossa relação foi difícil desde o início: encasquetei com o título, com a capa, com o tamanho, a quantidade de páginas; tudo nele me incomodava, mas, mesmo assim, me dispus a enfrentá-lo e lê-lo. Amigos queridos, leitores ainda mais contumazes do que eu mo recomendaram, disseram maravilhas, que eu não poderia deixar de ler.

Iniciei o embate – a leitura – em fevereiro, pouco antes do carnaval. Tudo pra dar errado: a festa lá fora, os ensaios gerais das escolas nas ruas, os desfiles técnicos no sambódromo, os blocos, o sol, e ele lá, me segurando na poltrona com aquela conversa mole sobre a vida, gastando dezenas de linhas na descrição do rosto de uma personagem secundária. Lia dez, doze páginas, cansava e pegava outro, mais afável, mais simpático, mais direto.

Quando eu voltava pra retomar a conversa, ele se vingava; tornava-se ainda mais difícil, mais taciturno, mais enviesado. Pra demonstrar carinho, eu voltava algumas páginas, relia trechos como se tivesse gostado. Numa preliminar longuíssima eu virava e revirava as páginas, passava os dedos sobre elas, para encontrar o ponto exato em que parara, até que ele me deixasse, enfim, seguir em frente.

Livros são como pessoas: com alguns, a conversa flui no primeiro encontro, e, três páginas de leitura depois, já somos velhos companheiros, cheios de intimidade, dormindo juntos, um por cima do outro, sem cerimônia. Com outros, não passamos de cumprimentos polidos, bonsdias e atélogos, sem nenhuma camaradagem.

Por isso, na leitura, sou polígamo: tenho sempre três ou quatro de prontidão, cada uma me esperando num canto: na poltrona, na cama, na mochila, no banheiro. Canso de uma, pego outra, fresquinha, que levo ao fim sem traumas, rapidamente, antes de retornar para aquela que reclama e demora dias para se entregar. Gosto de intercalar as robustas com as magrinhas, as liberadas com as reprimidas, a prosa com a poesia, a literatura e a realidade. Descanso da vida com a ficção, mas aprendo mais sobre aquela com esta.

Terminei enfim o dificílimo livro, mas, antes de encerrá-lo definitivamente, repasso algumas passagens que marquei, releio as anotações que fiz e me despeço dele como num velório. Não nos encontraremos outra vez, mas direi sobre ele, como se faz com alguns mortos, palavras generosas, amenas e edificantes se me perguntarem o que ele foi para mim: Não era simpático, mas lá do seu jeito, me ensinou muita coisa; foi um bom livro.


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Criada em 2020 pelo professor e poeta Renato Cardoso, a Revista Entre Poetas & Poesias é um periódico digital dedicado à valorização da literatura e da arte em suas múltiplas expressões. Mais que uma revista, é um espaço de conexão entre leitores e autores, entre a sensibilidade poética e a reflexão cotidiana.

Registrada sob o ISSN 2764-2402, a revista é totalmente eletrônica e acessível, com publicações regulares que abrangem poesia escrita e falada, crônicas, ensaios, entrevistas, ilustrações e outras formas de expressão artística. Seu objetivo é tornar a arte acessível, difundindo-a por todo o Brasil e além de suas fronteiras.

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