Recentemente, descobri que a Globo tinha disponibilizado, em sua plataforma de streaming, a telenovela A Moreninha (1975), adaptada por Marcos Rey da obra homônima de Joaquim Manuel de Macedo (1844). Voltar a vê-la seria rememorar uma parte da minha adolescência. Não pensei duas vezes e, tal como tinha acontecido naquele ano, do programa televisivo, parti para o romance. A nova leitura me permitiu uma experiência curiosa. Antes, porém, destaco diferenças marcantes entre as duas versões, embora tratem da mesma trama de fundo: o resgate de um amor de infância.
A linguagem audiovisual, por si, implicaria alterações e recortes em relação à obra literária escrita. Na tevê, o movimento abolicionista do fim dos 1800 ganhou destaque, envolvendo personagens em situações para além dos relacionamentos românticos. No livro, ao contrário, observamos o foco na sociedade abastada da Corte, em meados do século XIX. Apresenta-nos jovens estudantes de medicina e adolescentes casadoiras, gozando a convivência mútua durante um feriado, na casa da avó de um dos rapazes. O cenário, em ambos, é uma ilha idílica.
O argumento do romance talvez dê a impressão de ser pouco atraente para os dias atuais. De fato, carece dos perigos da luta pela abolição, no entanto, nos oferece um retrato social próprio da literatura de costumes. Lembra-me, inclusive, a crença de, por meio da ficção, ser possível colher informações sobre gentes, épocas e lugares.
Eu dizia acima que reler A Moreninha me proporcionou uma experiência curiosa e é verdade. Algo como uma espécie de dèja vu. No final de abril, me distraí olhando o story de uma sobrinha adolescente. Ela abriu um tipo de consulta, usando uma funcionalidade que permitia a seus contatos enviar-lhe recados anônimos, respondidos em seguida por ela. O simples fato de alguém poder enviar mensagens sem se identificar já me causou espanto. No entanto, me chamou mais a atenção o conteúdo das postagens. E aí entra a obra de Macedo.
Apesar de estarmos no século XXI, com todos os avanços tecnológicos, movimentos de libertação da mulher, complexidade científica e modernidade social, as questões na rede versavam em torno a preocupações e interesses similares, em certa medida, aos das moças e rapazes daquele distante século XIX. Ou seja, perguntava-se sobre namorados e amores, sobre a amizade, beleza e simpatia de jovens de sua convivência, se fofocava, elogiava-se a aparência ou se vangloriava dela.
Confesso ter ficado muito surpresa. Quase duzentos anos separam os dois grupos. Muita água rolou sob a ponte da história, transformando a sociedade e os indivíduos. Apesar disso, os perfis da garotada de classe média e alta, neste século de inteligência artificial, robôs humanoides, videochamadas, viagens espaciais e ameaças ambientais, se aproximaram dos seus pares do passado. Ao menos, assim parece, quando o assunto é relacionamento, interesses amorosos, popularidade, aparência física e aprovação pelo grupo.
Talvez o ser humano não se tenha alterado tanto quanto suas criações, não é? Melhor mesmo deixarmos de lado, de uma vez por todas, a desgastada assertiva dos saudosistas: “ah, no meu tempo, as coisas não eram assim!”


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