A chuva apertou de repente, e eu entrei, puro reflexo, numa banca de jornal. Como eu, outras pessoas, dez, talvez doze, tiveram a mesma ideia. O dono da banca, depois de alguns minutos, começou a reclamar:
– Se não for comprar nada, tem que sair. Tão molhando tudo aqui.
De fato, de nossas roupas molhadas, dos nossos sapatos ensopados, dos nossos cabelos encharcados escorria para o chão do pequeno estabelecimento a água de chuva que acumuláramos.
Um sujeito pediu um jornal e se pôs a lê-lo, cinicamente, ganhando direito a ficar na banca por mais alguns minutos. A primeira notícia que leu, gaiato, foi a previsão do tempo:
– É, deu chuva pra hoje!
Gargalhadas.
Pensei em também pedir um jornal, mas alguém – sempre tem – mais rápido que eu, pediu um, mais barato, que dividiu com a companheira. O jornaleiro deu o troco e o tabloide, mas bradou.
– Isto não é uma biblioteca, é uma banca de jornal. Vocês estão atrapalhando o movimento.
– Meu senhor, a gente, não tem como sair com essa chuva, disse uma senhora que tomara nossas dores. Tá um dilúvio lá fora!
Os demais, encorajados pela líder, concordaram ruidosamente, repetindo o que ela dissera com outras palavras. Começou uma discussão acalorada sobre direitos e deveres do cidadão na chuva.
Uma mulher, vendo que a banca tinha outras mercadorias, pediu um pacote de biscoitos. E um refresco de caixinha.
– Tá vendo, moço, o senhor tá faturando com a gente aqui dentro.
– Devia agradecer a São Pedro, que mandou a chuva e nos empurrou pra cá.
– Vai ver que foi jogada de marketing.
Risos gerais, menos do dono do estabelecimento, muito incomodado com a pequena multidão que se acotovelava nos poucos metros quadrados do negócio de família que ele herdara havia décadas.
O homem, cara de poucos amigos, pegou uma vassoura, enrolou nela uns panos que tirou sabe lá Deus de onde e começou a tentar enxugar o chão da banca. Os invasores encolhiam-se e levantavam os pés enquanto ele acintosamente guiava a vassoura num ziguezague agressivo sobre o pouco de chão que sobrara sem ninguém em cima.
– É uma desgraça esse ramo. É cada uma que me aparece.
Na banca, bem montada, havia até uma TV, sintonizada num culto.
– Moço, pode botar no jornal?
O dono do negócio, já sem um pingo de paciência:
– Minha filha, jornal aqui é o que não falta.
– Jornal de papel só tem notícia de ontem, meu senhor. Eu quero saber o que acabou de acontecer.
– É, pra gente ver como está a chuva na cidade.
Um, olhando o celular, leu para os demais que os trens estavam paralisados por causa da chuva. E que algumas estações do metrô também tinham fechado.
– Tô sem bateria.
– Eu tô sem sinal.
– Não tem wifi aqui não, moço?
Aí era demais! Li esse pensamento na expressão do homenzinho. Percebi na cara dele que a irritação tinha chegado ao limite máximo e que ele estava a ponto de transbordá-la numa uma reação violenta.
Nesse exato momento, um relâmpago estourou bem diante de nós, seguido por um enorme estrondo que sacudiu a nossa couraça protetora. Alguns até se abraçaram. Houve quem começasse a rezar e quem chorasse de medo. A chuva ali fora aumentara consideravelmente de volume, e a rua começava a encher. O rio que se formava na calçada estava prestes a invadir a banca, apesar dos esforços dos que ajudavam o dono a varrer para fora a água que insistia em entrar. Éramos um barco prestes a naufragar.
(Continuará na próxima semana…)


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