O Diário de hoje não poderia deixar de abrir sua página. E, em pleno Domingo de Páscoa, temos um lindo depoimento sobre como é, para famílias atípicas, viver essas datas.
A Páscoa chegou, e meu filho esperou o coelhinho… aos 18 anosReceber o diagnóstico de autismo de um filho é como começar a caminhar por uma estrada longa, cheia de curvas, alegrias, frustrações e muitas descobertas. No começo, tudo é novo, assustador até. E, entre tantas coisas que me frustravam, uma delas sempre me doía em silêncio: a Páscoa.Enquanto todas as outras crianças vibravam esperando o coelhinho, contavam os dias para ganhar chocolate, eu não tinha um filho perguntando o que ia ganhar. Não tinha aquele brilho nos olhos esperando o domingo. Ele nem sabia o que estava acontecendo.As pessoas perguntavam: “E aí, o que tu pediu pro coelhinho?”E eu ficava imaginando o que se passava na cabecinha dele: “Era pra pedir alguma coisa pro coelhinho?”Datas comemorativas sempre foram difíceis. Para muitas crianças com autismo, essas datas não fazem sentido. São apenas mais um dia no calendário. E isso é frustrante. Muito frustrante. Você vê os vizinhos comemorando, os colegas do trabalho postando fotos dos filhos, os familiares reunidos, as lojas cheias de brilho e cor… e você pode até comprar uma caixa de bombom, mas dentro de ti algo aperta, porque ele não entende. Ele não sente aquilo. Ele não sabe o que está acontecendo.Mas o nosso papel é continuar.Ano após ano, plantar aquela sementinha. Falar da Páscoa, do renascimento. Repetir, ensinar, mostrar. Mesmo que pareça que nada está sendo absorvido. Porque, naquele momento, talvez ele não entenda. Mas ele está vendo. Ele está sentindo. Ele está registrando, mesmo que em silêncio.Hoje meu filho tem 18 anos. E só de uns três anos pra cá, ele começou a entender o que é a Páscoa.Aos 16 anos, ele finalmente entendeu: na Páscoa se ganha chocolate. E quem traz é o coelhinho.Então, cadê o chocolate?E o ritual que eu fazia por ele, agora eu faço com ele. As patinhas pela casa, a cestinha escondida. Tudo isso faz sentido pra ele agora. Demorou, mas chegou.Esta noite, na madrugada de Páscoa, ele me acordou às 4h30 da manhã:— Mãe, não tô conseguindo dormir.— Por quê, meu amor?— O coelhinho não veio, mãe. Eu tava esperando o coelhinho. E ele não veio. Posso dormir contigo, mãe?Ah, Deus… um metro e noventa e cinco de pureza, de inocência. Me faltam palavras pra descrever o que senti naquele momento.A cesta estava escondida no meu quarto. Fui com ele pro quarto dele e ficamos lá juntos. Ele só dormiu perto das sete da manhã. Cada barulho na rua ele achava que era o coelhinho chegando. Agora ele está lá, roncando tranquilo, porque eu disse que o coelhinho vem de mansinho, sem fazer barulho.Dezoito anos. E ele está aqui.Pode até parecer egoísmo da minha parte — e talvez seja —, mas meu filho está aqui. E hoje, ele sabe que a Páscoa é renascimento.E esse renascimento não acontece só uma vez ao ano. A gente, mães atípicas, renasce todos os dias.Renasce na paciência, na entrega, no amor que resiste.Todos os dias temos uma nova chance de acreditar, de ter fé, de alimentar a esperança.Porque cada pequeno passo, cada olhar, cada gesto que antes não existia, é uma ressurreição daquilo que um dia a gente achou que nunca viria.E vem.Pode demorar… mas vem.E quando vem, é milagre.E a gente renasce com ele.Feliz Páscoa a todas as famílias que, assim como eu, nunca perderam a esperança.Que não perdem a esperança a cada dia.Que enxergam na dificuldade do seu filho um motivo para lutar.Que veem em cada coisa que ele ainda não consegue fazer, apenas uma barreira a ser superada — e lutam por isso.Lutam com amor, com fé, com coragem. E renascem. Todos os dias.Feliz Páscoa!

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Gratidão à Débora Stahlhofer por ceder o depoimento e a foto, contribuindo com o nosso Diário.
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