Reflexões Sobre Sonhos e Copas do Mundo
Em 1978, após o jogo em que o Brasil disputou o terceiro lugar contra a Itália, na Copa do Mundo da Argentina, disse decidido para uns amigos que estavam comigo:
– Eu vou assistir na Espanha à próxima Copa do Mundo!
Eu tinha dezoito anos, estudava e trabalhava, tinha sonhos, e um deles era esse: assistir in loco a uma Copa do Mundo.
Os amigos, obviamente, caçoaram de mim, disseram que eu era doido, coitado, sonhador, que uma viagem à Europa, naquela ocasião era coisa de rico, que nem em quatro anos eu teria como juntar dinheiro pra aquilo, que antes eu deveria tratar de arranjar um emprego de verdade, e que nem se eu parasse de fumar, e de beber, conseguiria…
Acertaram, todos eles. Não fui à Copa do Mundo na Espanha e dei graças a Deus de não ter ido, quando acabou o jogo contra a mesma Itália, nas quartas de final, quando nossa seleção perdeu inacreditavelmente por três a dois.
– Ainda bem que não fui. Mas à próxima Copa eu vou!
De novo, os amigos, alguns novos, entre os que ficaram da Copa anterior, repetiram como Cassandras suburbanas os vaticínios impiedosos. A próxima Copa é no México. Tem ideia de quanto custa uma passagem pra lá? E o hotel, e as entradas? Isso é coisa pra rico, nem em quatro anos eu teria como juntar dinheiro pra aquilo, que antes eu deveria tratar de arranjar um emprego de verdade, e que nem se eu parasse de fumar, e de beber, conseguiria…
Quando a Copa do México terminou, e o Brasil mais uma vez estava eliminado precocemente da disputa, os poucos amigos que restavam da adolescência esperavam a bravata, que não saiu. Um deles, mais antigo, notando meu silêncio, me cutucou:
– Não vai à próxima Copa? Na Itália, Europa, dá pra ir de navio…
– Não, vou deixar pra ir em 94, nos Estados Unidos. Lá seremos campeões. Essa próxima é da Itália. A máfia já arranjou tudo.
Assim, consegui escapar daquele corolário de maus presságios que viriam a seguir, automaticamente, após a minha pretensiosa promessa pós-copa.
O tempo passou. Nunca fui a uma Copa do Mundo e fui adiando o sonho sempre pra próxima. O futebol mudou muito, a Copa do Mundo não tem, eu acho, o glamour de antigamente, e a seleção brasileira, pelo amor de Deus, não vale mais o sacrifício de uma aventura que envolveria tanto tempo, tanta disposição e muito, muito dinheiro.
O que ficou, porém, foi o marco temporal que uma copa do mundo é. Inapelavelmente de quatro em quatro anos, acontece uma. E me dou conta de que estou cada vez mais velho. Até os quarenta anos, esperava com alguma ansiedade a competição. Projetava o time que possivelmente representaria a pátria de chuteiras, as chances de título e… planejava: se juntar tanto por mês, ao fim de um ano, terei o suficiente para…
E parava no meio: a escola dos filhos, o material escolar, a compra do mês, a prestação da casa, o conserto do carro, o plano de saúde, a reforma do banheiro, tudo passava na frente do sonho, cada um pegando a sua parte sem dó, que a vida é aquilo que acontece enquanto a gente faz contas. Os caraminguás que sobravam mal davam pras urgências que sempre surgiam, todo mês, de onde menos se esperava. Não havia espaço no orçamento para aventuras.
Só decidi mesmo que pararia com o sonho da Copa, quase tão importante no imaginário masculino quanto o da casa própria, quando completei cinquenta anos, no ano em que a África do Sul sediou o evento. Ouvia os relatos dos que se programavam para ir. Diziam com orgulho que gastariam o equivalente a um carro popular – era assim que se chamavam na época os carros de mil cilindradas, compactos, duros, desconfortáveis, feios e frágeis como tudo o que mereça, no Brasil, o adjetivo “popular” – na aventura.
Brincando, após a derrota para a Holanda, bradei: Eu estarei in loco na próxima Copa do Mundo. E assistirei a todos os jogos do Brasil. Se você fez as contas, sabe a que Copa eu me refiro, né? Mesmo sendo realizada aqui, não fui a nenhum jogo. Tinha mais o que fazer. Os estádios superfaturados, os protestos contra a realização do milionário evento num país com tantas carências, o sequestro da camisa amarela para fins políticos, tudo foi me desmotivando.
Depois dessa, fui lá no meu armário de guardar sonhos e arquivei o de ir a uma Copa do Mundo na gaveta dos irrealizáveis. Aproveitei para dar uma espiada nos que engavetei. Sempre que abro esse armário, sou obrigado a encarar a criança, o adolescente, o jovem e o adulto que fui, a quem traí miseravelmente, deixando de realizar seus sonhos. Eles me olham com ar acusatório, de quem se sente, com razão, traído e abandonado. Não escrevi o romance de quinhentas páginas com o qual mudaria os rumos da literatura de língua portuguesa, não gravei nem 10% das mais de quatrocentas canções que já compus, não aprendi inglês, não fiz a travessia dos fortes, porque ainda nado muito mal, e continuo no beabá do violão, mesmo depois de tanto tempo debruçado diariamente sobre o instrumento.
Escrevo essas bobagens porque fui surpreendido pela notícia de que a próxima Copa do Mundo já é no ano que vem! Catorze meses nos separam do evento. Meu Deus, como, mais uma vez, passou rápido! Nem sei direito que país (ou países) sediará a competição, tão distante estou desse troço. O que sei é que esta será a décima sete Copa do Mundo que acontece desde que nasci. E que já se passaram três anos e meio da última. Como fazia na infância, pergunto-me temeroso da resposta, quantas copas ainda tenho. Espero que pelo menos mais umas quatro, pois é o que preciso para dar conta dos novos sonhos que alimento e que espero não jogar lá junto com os outros. Só mês resta torcer.

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