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O último confete

Imagino o que passa pelas suas cabeças: estou fora de sincronia, é quarta-feira de cinzas, não cabe falar em carnaval. Justifico-me. Primeiro, apesar da Quaresma, ainda há blocos por aí e, no sábado, teremos o desfile das campeãs. Segundo, a vida é uma espiral cíclica. Tanto se repete, quanto nunca é exatamente a mesma, se transforma.

Nunca gostei muito de mudanças. Contudo, admito: podem ser favoráveis, pois nos colocam na posição de deixar rolar, criando lugar para o novo. Também reavivam a memória, enquanto nos ocupamos em revirar baús do passado e visitar territórios do ontem.

Empacotando antigos álbuns de fotos, me encontrei com a moleca que fui, vestindo fantasias feitas por minha mãe: bailarina, sarongue, escrava grega. Em todas as poses, lá estava ela com seu saquinho de filó cheio de confetes e rolos de serpentina, aguardando o baile da matinê infantil. Hoje, a garotada talvez nem saiba o que são os tais confetes e serpentinas, mas já foram acessório imprescindível a qualquer folião.

Os carnavais de bailes ficaram para trás, embora a folia não tenha passado em branco na adolescência. A prova está numa fita cassete velha. Naquela longínqua década de 1970, organizamos um concurso de músicas carnavalescas com as crianças do prédio. E houve o bloco no playground e o baile na sala do apartamento. Por sorte, minha mãe era compreensiva e nos deixou brincar dentro de casa, sob a condição de limparmos e arrumarmos tudo depois. Deveríamos ser umas 12 crianças, pulando, dançando, cantando, lançando confetes e serpentinas numa sala mobiliada de uns 18 metros quadrados. Quem já tentou coisa semelhante pode avaliar a desordem. Para quem não viveu a experiência, basta esclarecer que encontramos, por um bom tempo, nas reentrâncias do sofá, nos cantos da sala, atrás e sob os móveis, confetes desgarrados que se recusaram a ocupar seu lugar no lixo.

O carnaval é a comemoração considerada uma das caras do Brasil. Todavia provoca reações antagônicas. Cantado em verso e prosa, aparece com frequência como o tempo de viver intensamente como se não houvesse amanhã. Essa premissa de permissividade gera repulsa em muitos.

Não curto mais os festejos. Não aguentaria sair na Sapucaí, nem suportar uma noite inteira de arquibancada vendo desfiles. Creio, porém, terem seu lado positivo. Representam o sonho, a porta para uma alegria que deveria ser verdadeira para todos nesta vida. Os parênteses, aqueles alardeando sermos o país cujo ano só começa depois do carnaval, se fecham agora até 2026. Mas eu sei, em algum cantinho escondido, ainda há um confete esperando por cada um de nós.


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Criada em 2020 pelo professor e poeta Renato Cardoso, a Revista Entre Poetas & Poesias é um periódico digital dedicado à valorização da literatura e da arte em suas múltiplas expressões. Mais que uma revista, é um espaço de conexão entre leitores e autores, entre a sensibilidade poética e a reflexão cotidiana.

Registrada sob o ISSN 2764-2402, a revista é totalmente eletrônica e acessível, com publicações regulares que abrangem poesia escrita e falada, crônicas, ensaios, entrevistas, ilustrações e outras formas de expressão artística. Seu objetivo é tornar a arte acessível, difundindo-a por todo o Brasil e além de suas fronteiras.

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