Quando deixou aquelas paragens ressequidas, Mara jamais havia sentido o calor do corpo de um homem, nem um beijo sequer. Sequer um olhar cobiçoso com o mínimo desejo que fosse lhe era permitido. Ali, o pecado habitava em tudo.
A mãe sempre a instruía a ter cuidados com os machos que só querem se aproveitar das fêmeas, isso quando não as deixa embuchadas. Aquilo a deixava preocupada e infeliz, pois ela queria ser como as outras mocinhas de sua turma, que falavam de namorados, de beijos, de encontros escondidos na biblioteca da escola… Ah! como ela sonhava com aquelas aventuras!
Não adianta mentir, dizia a mãe, Deus conhece o coração de todas as pessoas.
Mara, no entanto, também tinha sonhos e, principalmente, desejos. É, desejos do corpo, desejo natural, desejo de ter alguém na cama e na vida. Desejar essas coisas era pecado imperdoável! Embora pudesse esconder os pecados da mãe, não era possível escondê-los de Deus, um Senhor que tudo vê, que não dorme e que controla a vida de todo mundo.
Havia completado 15 anos. Todas as amigas de sua idade tinham, ou tiveram, namorados. Andréa namorava desde os doze; Rafaela tinha treze anos e já namorava; Milene foi morar com Rafinha quando tinha 15 anos. E ela? Ai, ai.
Um dia, a professora explicou o que é um anagrama. Assim, a menina descobriu que “Mara” é um anagrama de “amar”. Então “amar” seria o seu destino, pensou. Mas como? Lembrou-se de um trecho de uma música de Belchior, que havia assistido no YouTube:
“Mas sei que tudo é proibido
Aliás, eu queria dizer que tudo é permitido
Até beijar você no escuro do cinema
Quando ninguém nos vê”
Alguém sempre vê, dizia o pai.
O tempo passou, e ela acabou indo cuidar de sua vida. As durezas do mundo lhe fizeram esquecer do pecado, de Deus e dos alertas dos pais. As paragens ressequidas que ficaram para trás foram substituídas pelas águas sujas daquele cais imundo, onde costuma fazer a alegria de tantos marinheiros e onde tenta se encontrar.
Vez ou outra, quando sua vida está tão seca quanto às paragens onde nasceu, ela se lembra dos pais, das limitações que lhe impuseram, que se transformaram em traumas que carrega até hoje. Enquanto irriga sua dor com lágrimas, fica imaginando o que poderia ter acontecido se não tivesse sido privada de corpo e alma; tenta entender se realmente vale a pena seguir o destino que lhe traçam; se de fato precisa temer tanto esse inferno que lhe proibiu um beijo inocente ainda na pré-adolescência.
Em meio a tantas perguntas sem respostas, a moça volta sua atenção para o cais. Logo chegará outro navio, e ela terá que interpretar o papel que lhe foi destinado. E naqueles braços desconhecidos, tenta encontrar o beijo inocente que nunca beijou, realizar os desejos que não lhes foram permitido ter, descobrir o céu angelical que jamais conheceu. A cada homem, entrega a virgindade que nunca teve o prazer de entregar ao príncipe de seus sonhos.
O navio parte. O cais entristece. Mara também. Olha o mar. Intransponível. Vê nele a liberdade que ela jamais teve. Com uma pequena navalha que carrega consigo, escreve seu nome em um tronco onde atracam os navios: MARA.
Um nome que realmente resume a sua vida.
João Rodrigues (Reriutaba – CE)


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