Oswaldo Eurico Rodrigues

Solidão

O alarme toca! Madrugada ainda, mas já existe luz. É verão! Dorme-se mais um pouco. Rola pra lá, rola pra cá… Estica-se um braço, depois outro e as pernas. É um gato ou uma pessoa? O corpo ainda se espicha e, a passos lentos, vai até ao banheiro. Agora é a luta do corpo contra tudo o que é gelado! O chuveiro lança suas agulhas. Sabonete e xampu. A espuma vai levando ralo abaixo os vestígios da noite. A toalha retira o que ainda paira na pele: resíduo do não realizado. Veste-se a roupa de aparecer aos outros.

Um café da manhã decidido entre a culpa pela concessão e o rigor de uma alimentação saudável.

Bom dia!

O sol já está pronto com seu bico de maçarico para nos cortar ao meio. Entra-se no carro: um forno! O ar condicionado felizmente está funcionando. Bloqueia-se o calor. Entra-se no estacionamento. O jogo da ocupação das vagas já se iniciara. Uma pick-up grandalhona toma o espaço por inteiro e vai além das linhas demarcatórias. Do outro lado, um carro importado caríssimo! Desiste-se da vaga! É preciso evitar problemas! Reservado para deficiente físico, reservado para idosos, reservado para magistrados, reservado para carga e descarga, reservado, reservado, reservado… Sobrou o cantinho da goteira! O possante ficou por lá…

Caminha-se no mundo preto e amarelo do estacionamento com seu teto baixo. Uma floresta de pilares nada elegantes. Entra-se no elevador.

Bom dia!

O silêncio! Quem não cumprimentou? Quem não respondeu? A porta abre. Saída da cabine.  Caminho apressado ao trabalho…

Bom dia!

Compromissos, prazos, metas, expectativas… Trabalho, trabalho, trabalho… Pressão! Palavras delicadas para disfarçar a pressão. Mais pressão: opressão! E metas… Dinâmicas divertidas: alegoria do produzir sem freio. Aceleração é a meta! Colisões são inevitáveis. É preciso brecar. A frenagem é custosa. O carro avança sinais e faixas de pedestres… O pé precisa pisar pesado. E o desgaste das pastilhas? Resolve-se substituindo o gasto pelo novo: mais gastos!

Vamos almoçar!

Boa tarde!

Um prato colorido com todos os nutrientes necessários e a inveja do prato do colega cheio de guloseimas! Tenta-se não falar do trabalho e olha-se para o relógio a todo instante. Não dá tempo de assistir ao final da reportagem na televisão bem em frente a mesa. Fim do oásis na jornada de trabalho.

A contagem regressiva para o fim do expediente começa. Faz-se a programação para o dia seguinte. Problemas de última hora surgem e a ameaça duma hora-extra se insinua. Não deu outra! A noite caiu. O rush lá fora e o trabalho na empresa continua. Não há tempo para passar na loja. A compra fica adiada.

Boa noite!

Tive que ficar até tarde no serviço. Um guardanapo atirado sobre a mesa e um adeus! Fim de relacionamento.

Vagar desolador pela rua.

Chega-se a casa. Pés pra cima e o respirar forte de mais um dia. Toma-se novo banho no intuito da renovação. Aquece-se um grelhado no micro-ondas com uma salada nada criativa e umas batatas.

A última edição do telejornal. Greve dos rodoviários marcada para o dia seguinte. Será preciso sair mais cedo porque os carros velhos estarão todos nas ruas aumentando o fluxo. A garota do tempo avisa sobre a previsão de chuvas para o dia seguinte. Mais um motivo para se dormir mais cedo. O engarrafamento agora será inevitável. Queria assistir a um filme, mas não será possível. O âncora se despede do público.

“Boa noite.”

Desliga-se a televisão e deita-se na cama com um livro indutor do sono. A leitura não passa de três páginas e vem logo a morte nossa de cada dia.

O travesseiro mal esquentou e já é hora de levantar. Reedição do dia anterior sujeito a chuvas de trabalho, tempestades de mal humor e quedas de pessoal na empresa.

Bom dia? Boa tarde? Boa noite? Queria boas férias!

Recibo assinado, depósito na conta! Enfim aeroporto! A viagem será a sós!

No seu lugar, alguém mais jovem assume as tarefas na empresa. Trabalho impecável. Custo menor.

Retorno das férias! Assinatura da demissão sem justa causa. Havia causa justa para a demissão?       Na rua, a liberdade e o vagar solitário. O mundo parece enorme. Anda-se sem saber para onde e, ao final, uma freada brusca e o corpo voa alto.

Na mesa de mármore, descansa-se só. Os funcionários do cemitério depositam o caixão na sepultura previamente paga pelo plano funerário.

Dias depois, o telefone toca na casa dum parente, único herdeiro do apartamento e dum seguro de vida deixado em seu nome. Desfruta sozinho das benesses de alguém tristemente só.

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