Carina Lessa

Aurora Boreal

 

“É certo que sou uma selva e uma noite de árvores sombrias, mas aquele que não se amedrontar de minhas trevas encontrará sob meus ciprestes coroas de rosas”. (Assim falava zaratustra)

 

Leonardo acordou à noite depois de um sonho, talvez real, em que chorava doído. Dentro do sonho ele vivia um pesadelo, um sofrimento, uma dor que não sabia de onde vinha. De repente, deitado na cama, flashes invadiam a cabeça. Era o quintal da casa com um carro desconhecido, pronto para partir portão afora. Leonardo queria saber do motorista, perguntar se podia embarcar com ele. No entanto, permaneceu deitado. Não deixou de observar as árvores perto da garagem. Entre mangueiras, bananeiras, coqueiros, abacateiros e outras mais, devolve o olhar ao próprio corpo. Acorda. Acorda?

O quarto foi aos poucos ganhando cheiro de canela. Na escuridão, frestas de luzes vermelhas, talvez amarelas, invadiam o quarto e poderia se dizer que resguardavam uma árvore espinhosa. Leonardo aceitava a finitude das coisas, mas era com cores vivas e intensas, repletas de fogos de artifícios que cadenciava os rumos imprevisíveis. Entre melancolias e dores, todo o campo terrestre carregava-o pelos ventos congelantes até que pudesse explodir em natureza selvagem pelo céu. Tudo isso podíamos ver enquanto o corpo frágil do homem suava ardentemente, contorcendo-se de um lado a outro da cama.

A luzes bailarinas movimentam os braços, giram e levantam pernas ao ar. Os sorrisos leves ganham o espaço entre estantes repletas de livros guardados. Piruetas revelam, talvez, um ar debochado sob o corpo do homem que desfigura e encharca os lençóis.

Acorda. Acorda?

A cabeça espreme bocas tortas num solavanco de flores e crianças percorrendo um palácio torpe. As luzes se confundem com espinhos e é possível ver o corpo contraído em movimento repentino e fetal. Uma figura fantasmagórica estende as mãos ao rapaz. Seriam três e meia da manhã?

Explosões. Brilho difuso. Colisão imprevisível. Penas formam vigas no pequeno espaço entre a porta do quarto e saída do quintal. A imagem parece escondida de todos. Muitos passantes poderiam observar calmamente o estouro de partículas no corpo desprotegido daquele pequeno fragmento de terra. Não enxergam. Um fotógrafo monta o equipamento fotográfico. Concentrado e leve, desliza as mãos pela mala. Vai retirando tudo que precisa ignorando o corpo desfigurado na cama. Trata com descaso o suor contraído e grudado no couro cabeludo. Era como se olhasse para dentro de si. Leve. Solitário. Os passantes vão deixando o espaço depois de admirarem as visões multicoloridas. Estavam satisfeitos. De repente, uma mensagem espoca o cenário de incertezas. Um rio, entre montanhas, ilumina-se pelas partículas de uma fênix em voo espesso pelo céu. Leonardo está sozinho, o homem fotografa. São três e meia. O interstício da espera. Uma canção fita os seus olhos. Aperta-os com força. Afogava-se?

O cheiro da canela mais forte.

O mar revolto da cama desvela o risco da morte, mas também do seu renascimento.

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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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