João Rodrigues

Carta de um jovem além-túmulo

Amigos, caros amigos, ouçam-me! Escutem-me como vocês nunca escutaram seus pais, nem os conselhos que muitos lhes deram. Escutem as palavras de um jovem que deixou para trás a doce aurora da vida e trancou-se na solidão de um túmulo.
Eu fui como qualquer um de vocês: alegre, feliz, cheio de vida, de amores e paixões. Tive sonhos e fantasias, sorri e chorei, amei e fui amado. Também tive a triste ilusão de que a negra Morte jamais me encontraria em meio a milhões de pessoas; também pensei que ela existia apenas para os velhos e os doentes; também pensei que o vigor de minha mocidade jamais seria vencido e que o perigo era apenas uma maneira divertida de viver a vida; também tive a infelicidade de acreditar que as coisas ruins só acontecem com os outros, e por isso sempre abusei da sorte.
Eu tinha uma vida bela, tão boa ou melhor que a sua. A cada passo que dava, encontrava um amigo, um sorriso, um amor. Porém, eu queria mais. Queria ir mais longe, desafiar os perigos, a vida, a morte. A velha morte que nunca descansa, que está sempre a postos, pronta para pôr fim à tênue luz, que é a nossa vida. Assim, dediquei-me às aventuras perigosas. Comecei a misturar imprudência, irresponsabilidade, bebidas alcoólicas e drogas, coloquei tudo em um saco e juntei à direção perigosa. No começo era massa! Pura adrenalina. Demais! Meus amigos achavam o máximo, e eu também achava, por isso continuava a loucura. Até que um dia me encontrei com o temível e inadiável Fim. Ainda tentei resistir, mas somos frágeis demais. Ah, como somos!
Meus pais choraram, meus amigos me acompanharam até o cemitério e me fizeram juras de amor eterno. Picharam os muros, criaram páginas nos sites de relacionamentos, choraram por alguns dias, e até que enfim me esqueceram. Foi então que percebi que na solidão de um túmulo não tem nada de romântico. Foi então que notei que meus amigos já não choravam mais por mim e se divertiam como tem que ser, enquanto eu apodrecia sozinho. Tive vontade de voltar, de abraçar meus amigos novamente, meus pais, de curtir com eles, de dizer que eu os amava, mas não dava mais. O caminho que escolhi é irreversível. Death is forever!
Amigos, caros amigos, foi então que me dei conta e me perguntei: E a vida, o que fiz dela? Onde ficou a vontade de viver? Cadê o amor-próprio, não existe mais? Percebi que os amigos choram a morte de quem se vai, mas só por alguns dias. Depois eles vão rir de novo, namorar de novo, estudar de novo, curtir de novo, enquanto quem morre apodrece cada célula numa tumba solitária e eterna.
Portanto, pra que partir tão jovem, tão cedo? Por que não valorizar a vida? Por que não curtir a bela aurora dos anos de juventude? Como disse Casimiro de Abreu: “Como são belos os dias do despontar da existência…”. Ah, como são! Só agora eu os vejo! Então, por que interromper seus sonhos, suas realizações, seus sorrisos, seus amores, suas paixões? Por que trocar tudo isso por um coquetel explosivo de adrenalina e álcool? Não é bem melhor sorrir com os amigos, cantar e dançar com eles, curtir cada minuto, em vez de se trancar para sempre no silêncio interminável de um túmulo?
Pensem, caros amigos, curtam sua juventude, mas não deixem que a morte os traga tão jovens para a morada eterna. É verdade que o Fim vem para todos, mas não precisa abreviá-lo. Pois podem ter certeza de que a vida é muito mais bela e mais alegre do que um triste e solitário sepulcro.
A todos vocês, saudades eternas, e que eu não os veja tão cedo.
Assinado: um amigo além-túmulo.

João Rodrigues

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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