Sou tua serva
Vassala inominada, despercebida
Mínima, invisível
Indigna de tua presença
Indigna até mesmo de lhe servir…
Tu, invólucro luminoso
Esplendido e fascinante
Mecanismo perfeito que move meu viver
És minha epiderme e minh`alma
Meu sorriso e minhas lágrimas
Minha visão completa de um plano surreal
E minhas pálpebras adormecidas em um sono profundo, sombrio e noturno.
Oh criatura eternecida em meus lábios,
Permanente em meus sonhos de liberdade
E de realidade precária e sofrida à distância…
Um querer impotente
Uma disparidade gritante
Teu ser e o meu tão diferentes…
E eu tão indigna até de desejar-te
Meu anjo delicado e longínquo
Meu, somente meu
Pelo menos em meus íntimos sonhos
Onde posso sonhar tocar tua pele, sentir teus lábios como outrora
Quando meu conto de fadas fora real
Agora é desmazelo e realidade de dor
Sei que jamais poderei tê-lo novamente
Tal qual a imensidão de nossas divergências vitais
Sou mortal e errante
E tu, ser de eterna chama flamejante de vida…
Jamais nos reencontraremos
Jamais serei tua carnalmente…
Apenas tua aparição
Frente a meus olhos impuros
Em dias incertos de minha sub-vida a ti dedicada
Impulsiona meu anseio, ainda que indigno
De ser eternamente tua serva.
(Livro Colhendo Reminiscências – Michelle Carvalho)
Adoro ler livros que me inspiram a pensar, refletir e escrever sempre algo diferente.
Esta semana trago uma poesia sobre uma escravidão voluntária, tal qual a música cantada por Renato Russo “estar-se preso por vontade”, mas até quando essa servidão é amor e quando se torna doença carcerária?
Vemos tantos corações adoecidos por uma convivência infeliz, entretanto que não se finda por um pertencimento que não se esvai, uma vida de autoflagelação.
Com um tempo envolvido aquele amor, mesmo que ele não seja mais o mesmo, acaba sendo visto por uma necessidade de estar ali, um medo de perder esse algo que não mais é bom, mas que desaprendemos como será de outra forma desaprendemos a ser livres.
Em uma violência psíquica e algumas vezes física também, a pessoa vê-se acorrentada a memórias das quais não se desprende, além de muitas vezes pensar que um passo em falso merece maiores punições ou até mesmo que as dores são necessárias devido a atitudes que nem ela mesma sabe quais foram, mas que devem ter acontecido e acaba por ter em mente de que é indigna de ter algo diferente da vida que leva.
Tantas vezes essa não liberdade permanece por medo, relação de dependência física, econômica que acaba por fortalecer o escravizador, o qual atua afastando sempre as pessoas que cercam o escravizado, mantendo-lhe tal qual em uma masmorra psicológica.
Todo esse encarceramento se deve a falta de amor, do principal amor perdido há tempos, o amor por si próprio, que na verdade é a chave para a construção dessa liberdade desaprendida.
Muitas vezes ouço pessoas nestas situações desejosas de alguém que a retire desta escravidão, que lhe “compre” a alforria, mas quanto vale essa liberdade? Quem se interessará por pagar essa quantia? Passará essa pessoa simplesmente ao poderio de outrem continuando na condição de servo?
Por isso a tão necessária imersão em si e descoberta do amor próprio, a fim de que o pagamento seja feito por si mesmo. A Lei Áurea sendo assinada com seu próprio sentimento de liberdade, da necessidade de ser feliz independente do outro, em um caminho de aprendizado grande, mas que necessita do primeiro passo.
Michelle Carvalho
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