Boi da cara cinza ou o bairro Cafubá
Série: Histórias de Arariboia
Quando criança o cheiro das mangas espadas me aguçava os sentidos logo nas manhãs de sábado ou feriado. A fruta de origem asiática e tão popular no Brasil fazia a conexão perfeita entre o aroma da chácara da dona Dulce no bairro Cafubá e as travessuras que eu aprontava já cedinho por lá. Mas isso foi há quatro décadas ou pouco menos, no tempo em que eu cavoucava o terreno e achava um monte de artefatos estranhos.
Conta-se nos livros de história e geografia que a região niteroiense conhecida por Cafubá outrora constituía uma enorme fazenda de criação de gado e plantação de café. Bem, talvez venham daí os instrumentos de aragem e utensílios antigos que eu, quando criança, encontrava perto do poço desativado. Está claro que o espaço pertencente à dona Dulce foi mesmo parte de uma propriedade histórica do período colonial. Animais criados para o abate, produção agrícola em larga escala, café do tipo arábica sustentando a economia das redondezas, escravos e donos de engenhos, enfim, tudo isso marcando o chão do lugar. De onde você pensa ter saído o nome do atual bairro Cafubá? Pois é, em idioma quimbundo: bois e vacas de cor cinza se espalhando pelo entorno da velha fazenda. Variedade de gado robusto, resistente e abundante no local. Isso mesmo, em língua de origem africana o nome K’afubá: bovino de cara acinzentada, simples assim.
Hoje o Cafubá é bairro onde se encontram moradores de classe média numa ponta e, no outro extremo do território, aqueles residentes de situação financeira precária. Gente trabalhadora, sorriso no rosto. Dizem até que existe um bar-restaurante famoso por lá. Famosíssimo, por sinal, passou até na tevê. Recentemente um anúncio imobiliário apregoava apartamentos lindos no refinado bairro Piratininga. Pois é, eis aí um problemão. Porque, embora o Cafubá tenha sido território pertencente ao seu vizinho mais grã-fino, a antiga fazenda de criação de gado de cara cinza há tempos foi emancipada. Pura enganação de empreiteira aludir ao bairro irmão. Tornou-se independente já vai um bom tempo. Mais uma típica história especulativa. Isso aí, K’afubá, da língua africana, hoje um bairro emancipado.
Viu aí, caro leitor? O aroma da manga tem lá o seu dispositivo de memória. O cheiro é irmão da respiração; capaz de me fazer voltar no tempo que nunca foi meu. Sentir a conversa franca. Sorrir para dona Dulce, ouvir a história dos bois cafubás e pés de café cobrindo o horizonte.
Fiquemos então por aqui, pois a sessão nostalgia acaba de me fazer querer chorar. Saudades dos meus tempos em Niterói, saudades.