Fabio Rodrigo

Vachínguiton

Primeiro dia de aula. Entro na sala e me deparo com os olhares atentos de cada um dos alunos. Todos eles são novos na escola e terminaram o primeiro segmento do ensino fundamental em diferentes colégios, porém próximos ao nosso. A escola está situada em uma área periférica e atende a um público que pertence às camadas mais baixas da sociedade. Após uma breve apresentação minha, senti que era o momento de conhecer os alunos. Fui logo perguntando ao que estava na primeira carteira:

‒ Qual seu nome?

Vachínguiton, respondeu ele.

‒ O quê??? Vachínguiton?

‒ Sim. Vachínguiton.

‒ Não. Peraí. Como se escreve seu nome? Soletra pra mim.

‒ Ême de cabeça pra baixo…

‒ Não. Não é ême de cabeça pra baixo. A letra é dábliu.

‒ Isso. A, cê… não… esqueci… é esse. Depois agá…, i…, ene…, gê…, tê…, o… e ene.

‒ Então seu nome é Washington.

‒ Não é. Meu nome é Vachínguiton.

‒ Mas não é essa a pronúncia do seu nome.

‒ Minha mãe sempre me chamou de Vachínguiton.

‒ Ninguém nunca te chamou de Washington?

‒ Acho que minha professora da primeira série me chamou assim uma vez mas aí eu disse que meu nome era Vachínguiton e aí ela sempre me chamou de Vachínguiton.

‒ E seus colegas do colégio? Sempre te chamaram de Vachínguiton?

‒ Sim.

Após conhecer um por um os alunos, fiz a chamada de cada um dos nomes do diário. O Washington era o último da listagem. Só faltava chamá-lo. Na mesma hora, passou pela minha cabeça: serei eu um déspota que exerce arbitrariamente o papel de dizer com autoridade tirânica a absoluta pronúncia da palavra? Terei eu que dizimar um Vachínguiton em nome do poderio Washington? Claro que não. Cedi ao poder autêntico da classe subalterna. Chamei-o de Vachínguiton. Ele prontamente levantou o braço e disse convicto:

‒ Presente!!!

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Fabio Rodrigo

Fábio Rodrigo é professor de Língua Portuguesa da secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro e é doutorando em Língua Portuguesa pela UFRJ. Recentemente adquiriu o título de mestre em Estudos Linguísticos pela UERJ/FFP. Tem se dedicado a escrever crônicas que abordam temas do cotidiano e sua relação com a língua portuguesa e que são publicadas semanalmente no jornal Daki e no portal Entre Poetas e Poesias. Seu primeiro livro, Mixórdia e outras histórias, lançado pela editora Apologia Brasil, é uma coletânea de crônicas publicadas tanto no Daki quanto no portal. Suas crônicas, em sua maioria, são ambientadas no município de São Gonçalo, cidade em que o escritor nasceu e em que trabalha como professor. Como professor de Língua Portuguesa, Fábio Rodrigo procura aproximar o conteúdo das aulas de Português ao dia a dia, e seus textos são o resultado disso.

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