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Crônica: Uma ida aos Correios – Renato Cardoso

Uma ida aos Correios
Renato Cardoso

Não foi uma típica ida aos correios. Era uma quinta, havia terminado de dar minhas aulas online e tive que buscar uma encomenda na agência (comprei o produto, paguei o frete, mas mesmo assim não entregaram). Peguei um Uber, a distância era perto, em 10 minutos estava lá. Estava com medo de encarar transporte público, devido a lei de confinamento.

Chegando lá, olhei o bilhete fixado a porta da agência e fui para minha fila. Não me surpreendendo, ela estava gigante. Tomei meu lugar logo atrás de um senhor, que estava com seu banquinho. Minha meta era ler “Triste Fim de Policarpo Quaresma” de Lima Barreto, pois tinha que dar uma aula sobre o livro na semana seguinte. E você, leitor amigo, acha que consegui? A resposta é: claro que não!

Um minuto depois que comecei a ler, chegou uma jovem senhora e um rapaz. Ficaram em pé logo atrás de mim. O povo brasileiro é um povo que gosta de conversar, e não foi diferente ali. Parece que filas no Brasil foram feitas para isso. Quando vi, os três (a jovem, o rapaz e o senhor do banquinho) começaram uma conversa atrás da outra. Os temas eram diversos. Outra marca do brasileiro é que ele sabe sobre tudo, tudo mesmo.

O rapaz, que não parava um minuto de falar, começou contando sua árdua missão que foi achar sua encomenda. A menina, que não ficava muito atrás do rapaz, prosseguiu falando do Covid-19. Eu tentei ler, juro. Desisti, não conseguia me concentrar. A conversa deles estava atrativa e bizarra. Não tinha como ler sobre o casamento de Ismalia, depois que ouvi que o Covid-19 foi criado em laboratório pela China (típica fake-news de WhatsApp).

Outra característica do brasileiro é não checar informação. A China foi o assunto preferido deles, chegando a dizer que fizeram isso porque os chineses queriam dominar o mundo. Imaginei o Cérebro, do Pink e o Cérebro, no momento. Me deu vontade de rir, mas me segurei, pois algo pior viria. O senhor que estava a minha frente solta: ” A Globo foi comprada pelos chineses. A família Marinho saiu”. Eu pensei: “Onde eles liam tais notícias?”.

O rapaz ficou espantando e perguntou:  “Por quanto?” Não satisfeito em não obter a informação, o próprio respondeu: “Ah, deve ter sido uns 100 milhões!”. Nesse momento, fiquei triste em não jogar na Mega-Sena da virada, pois se eu ganhasse eu poderia ter comprado a Globo. A menina, que não queria ficar para trás, completou: “Eles querem dominar o mundo e escravizar a todos. Eles são muito inteligentes, devem tomar alguma coisa pra isso”. Você deve estar imaginando que sou fofoqueiro, que fico prestando atenção na conversa alheia. O problema é que não tinha como não ouvir, primeiro pelo tom de voz e segundo por estarem quase ao meu lado. As medidas de distância naquela fila, não funcionaram.

O carro que passou, o motor era chinês. A CNN, que era da Globo, também havia sido comprada por eles. Enfim, ficaram falando da China e dos seus feitos por uma hora aproximadamente. A fila andava lentamente, devido a restrição de pessoas dentro da agência. Outros assuntos aconteceram, falaram desde do Covid-19 ao tráfico de drogas. Eu fiquei perplexo como sabiam da vida dos outros. O rapaz, típico jovem que gosta de contar vantagem e dono de histórias decoradas, falava sobre tudo que ele passou quando foi motorista de aplicativo.

Nesse momento, consegui virar a esquina e visualizar a agência. Oito pessoas me separavam da entrada. Eu só pensava na leitura que não havia terminado e no tempo que estava ali, já chegava a quase duas horas. Um silêncio se fez, pensei que já haviam esgotado as possíveis temáticas, mas que nada. A jovem do nada fala: “Não se fala do Covid na África, deve ser porque não está tendo. Eles lá andam descalços, por isso não pegam”. O rapaz completou: “Que nada. Quase ninguém viaja pra lá, por isso eles não pegaram”.

Senti vontade de perguntar de onde eles tiram estes dados, mas já havia chegado minha vez. Entrei, levei menos de cinco minutos para pegar a minha encomenda. Cinco minutos, que me fizeram ficar duas horas na fila e ter história para escrever esta crônica. Saí da agência, chamei um Uber e fui para casa pensando em tudo que havia escutado.

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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