Desligar a humanidade ?
Queria não sentir
Adormecer
Entrar em transe
De forma indolor
Sem dores por empatia
Dores por perdas
Por amar
Por sofrer por si, pelo outro
Por impotência
Por medo
Por tanto
Ou por pouco…
O dilema de ser humano
É ter um coração que pulsa
Mesmo quando em meio ao colapso
Deseja estar impassível
Desligando a humanidade
Para frear o sofrimento…
(Michelle Carvalho)
Inúmeras vezes, ao sentirmos dores tamanhas desejaríamos não senti-las, apaga-las e deletar aquele episódio.
A dor do mundo, a dor do outro, a dor nas tragédias causadas pela natureza, pelo descaso, pela corrupção, pelo racismo ambiental, pela ganância dos que só pensam em si e prejudicam muitas vidas.
Dores por empatia, dores por perdas, por amar, por sofrer por si, pelo outro, por impotência, por medo, por tantos gritos ecoantes de dor, mesmo que inaudíveis, mas inundados de percepção por sermos humanos.
A humanidade enche-nos da sensibilidade de acolher o que vem do outro, seja repleto de amor ou de dor.
Em meio a avalanche dores que nos fazem sucumbir por dentro, povoa nossos pensamentos o desejo de não sentir, não saber os limites, pensar apenas no prazer e deleite que são tão raros.
Parece que vemos ao nosso redor pessoas que tão facilmente desligam a ética, o medo, o senso de dirimir o certo e o errado social… Na verdade, vislumbro tantas inversões de valores, que olho meu interior e vasculho-me desnudada da “nova moralidade inventada” e do “novo certo e errado social”, no qual a ordem é “dar-se bem a qualquer custo” porque “o mundo é dos espertos” independente do que acontecerá com os outros.
Ser humano é ser racional, mas também emocional, temos sentimentos, direitos, deveres, empatia, amor real…
Sem isso fechamo-nos soterrados em evasões, desligamentos, desdobramentos que se tornam cada vez mais rotineiros, como um caminho para a facilidade, mas que pesa mais e mais quando a euforia se vai, a dor se aglutina e retorna cada vez maior em um emaranhado sem rédeas.
Com o tempo dentro deste looping perdemos paulatinamente as forças para seguir em frente sem as muletas viciosas que são utilizadas corriqueiramente, as muletas que nos desligam, fazem “sumir” os problemas, e junto com eles se vai o respeito às regras, chegando a realizar atitudes transgressoras.
Sempre sentiremos vontade de não viver os sentimentos ruins, é uma forma de proteção humana, assim como o medo, a dor… Isso é proteger-se, mas nem sempre é possível.
Você pode fugir de um lugar, de encontrar certas pessoas, mudar-se, desligar a humanidade através de inúmeros subterfúgios, mas nunca poderá fugir de si, de seus próprios medos, sentimentos e fantasmas, do que causou ao outro por suas atitudes ou omissões, pela corrupção ou por anuir com ela, pelo racismo social, ambiental ou por desdenhar a dor do outro… Em algum momento a conta chega – PARA TODOS – A dor não é só dos que perdem tudo em uma tragédia, mas também para a consciência de quem fica de braços cruzados antes e depois de tudo isso!
Cada um sabe onde seu calo dói e nem por isso deixa de usar sapatos ou de caminhar. Cuidamos das feridas, aguardamos o tempo da cicatrização, usamos chinelos, compramos sapatos novos, mas não deixamos de caminhar, mesmo ainda doloridos e com as marcas que os calos nos fazem. Todos temos que seguir em frente, o tempo de enfrentamento varia para cada um, mas temos a certeza de que para os que tem fé e anda com retidão, amor e fraternidade, a caminhada é mais aconchegante.
As dores são muitas, gritos ecoam silentes dentro de tantos e, por empatia, mesmo distantes, sentimo-nos impotentes, indignados, insuficientes, sucumbidos, mas não inúteis.
Não podemos fazer a dor cessar, não podemos voltar o tempo para evitar, mas podemos doar para acalentar o frio, a fome… Através de atos, seja no anonimato ou no olhar presencial, estejamos de mãos dadas em uma corrente de fé, esperança, oração, afeto e humanidade em qualquer momento difícil da vida!
Michelle Carvalho
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