Carina Lessa

Adagio for Strings

 

Há montanhas no entorno do prédio. Libélulas passam gigantes e desconfio de passeio rasante na pré-história. Alguém me diz que a distinta ordem só se encontra nos livros didáticos. Não acredito. Fecho os olhos. As quatro asas pairam imóveis no ar. É possível ver outros insetos fugindo pela mata, enquanto macaquinhos ousam se aproximar deslizando pelas paredes do estacionamento. Rebanhos pastaram durante o dia, os astros me acolheram no tom da noite.

Daqui, não vejo mares agitados. Um jovem se prepara. Não há mares. Num ímpeto erótico só encontra montanhas imaginando as asas da libélula. A lua assume posição de guia.  Animais selvagens, descontrole e morte ardem o corpo com o subir das notas. Os insetos se elevam. Não podemos refrear o tom da vida, cobre-se das cordas em olhos apertados. Dançam no escuro pupilas tal qual músicos em tensão delicada ao escorregarem palhetas nos violinos.

Convidamos a olhar o elo entre os homens. A breve pintura noturna caminha em equilíbrio. Impetuoso, o jovem descobre suores e alguns claros dizeres da alma. Escorrem as notas em chafariz. As águas explodem e respingam harmoniosamente o chão. Ao longe, luzes. Luzes e animais ludibriando os olhares desdobram sombras onde pastores trabalharam um dia. O jovem se prepara.

Escuto vozes compatíveis com o interior marcado por bosques. Despontou escaldante o grande astro num jogo cênico. No fundo do pequeno palco, em estreita relação com o humano, animal forte flui os pés desejosos de busca. As digressões escavaram terras profundas no corpo do rapaz. Braços e asas levantam olmos no centro urbano. Os ventos tomam espaço ilusório. Seriam os coloridos das asas?

Lá embaixo, algumas pessoas chegam do trabalho, parecem não ouvir a música. Subterrâneos fabricam a rotina do dia a dia. Bois doentes pedem passagem ao artista. Saciam-se.

De volta, abundantemente, extrai-se das mãos uma leveza sem fim. Os braços enfurecidos de delicadeza alucinam. Julga encontrar a locução prometida pelos mares. Os macaquinhos estão cada vez mais próximos e o avisam sobre as águas salgadas. Recompõem os delírios primaveris. Não falamos de flores. A escuridão as apaga. As pernas contraem os músculos na sequência e olvidamos os nervos genitais do artista. Vertem pela garganta o espasmo necessário no momento em que lágrimas escorrem. Os quatro cantos do pequeno cenário entontecem. A campainha do vizinho toca. As folhas rústicas nascidas no apartamento embrutecem em função do ruído vindo de fora. Secam. A civilização, tão modelar, lembra a poesia sobre o seu lugar de origem.

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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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