LiteraturaRenato Cardoso

Série: Literatura -Cap.#06 – Conto: “Arcadismo e o século de luzes e revoluções” – Prof. Renato Cardoso

Série publicada quinzenalmente às sextas na Revista Entre Poetas & Poesias - Instagram: @professorrenatocardoso / @literaweb / @devaneiosdumpoeta / @revistaentrepoetas

Levei quinze dias, depois da viagem as cidades históricas de Minas Gerais, para voltar a casa da minha avó Gertrudes. Estava com saudade deles. A conversa por lá é sempre muito boa. Pena que não posso ir sempre, pois estou no Ensino Médio e preciso estudar muito para o vestibular. Pretendo seguir a carreira do meu tio e fazer Literatura.

Era um domingo pela manhã, quando peguei minha bicicleta e fui a casa deles. Dava uns 30 minutos o trajeto (de carro era rápido, mas meus pais não podiam me levar lá neste dia). Quando finalmente cheguei, meu tio estava vendo um filme chamado “A Revolução em Paris”, que mostrava a corte de Luís XVI momentos antes da Revolução Francesa.

Fiquei curioso em saber o motivo pelo qual ele estava assistindo o filme. Meu tio José nem notou minha presença. Minha avó veio, me deu aquele beijo carinhoso e me perguntou se queria comer alguma coisa (pergunta típica de vó). Sentei-me na poltrona lateral e cumprimentei meu tio. Ele me olhou e falou: “Assiste esse filme comigo. Você vai gostar”.

Assistimos. O filme durou um pouco mais de uma hora (quando cheguei ele tinha começado a assistir). Quando terminou eu perguntei: “Tio, por que você assistiu esse filme?”. De pronto ele respondeu: “Estava procurando algo para minha aula dessa semana”. Retruquei: “Como assim?”. Ele com toda a paciência do mundo, me explicou.

“Eu vou falar da literatura no século XVIII, período do Arcadismo. Época de grandes modificações no cenário mundial. As dualidades geradas no período do Barroco ficaram para trás. O ser humano decidiu quais caminhos seguir. O antropocentrismo e a razão foram postos acima do teocentrismo e da fé. O Homem acreditava mais nele. O século ficou conhecido como o século das luzes pela influência do Iluminismo e pelo florescimento da razão”.

“O Iluminismo estimulou diversos acontecimentos ao longo do século XVIII, tais como: a Revolução Francesa, a Independência dos Estados Unidos e a Inconfidência Mineira no Brasil. Vale ressaltar que no período ainda tivemos o início da Revolução Industrial na Inglaterra, o que proporcionou a ascensão da burguesia e o despotismo esclarecido, ou seja, a abertura do mercado para atender a classe burguesa. Já no Brasil, o deslocamento do eixo econômico para o sudeste, assim como o Ciclo do Ouro, ou seja, a descoberta de ouro em Minas Gerais (o que causou o conflito de pertencimento do ouro entre colônia e metrópole), o maior controle na exploração de ouro, prata e diamantes em Minas por Portugal e a derrama (a cobrança dos impostos atrasados) fizeram parte de todo o contexto político-social da época” – explicou tio José.

Eu sempre tive curiosidade sobre os anos da Revolução Francesa, assim como seus desfechos. Napoleão foi uma figura muito influente na história da humanidade. A contextualização que meu tio buscava com o filme era perfeita. Mas quem pensa que ele parou por aqui, se engana. Ainda faltavam as características e a origem.

“Você sabe qual é a origem do nome Arcadismo?” – perguntou meu tio, sem me dar tempo para responder. “Pois bem! O nome Arcadismo vem de Arcádia, região grega onde pastores escreviam poemas exaltando sua vida no campo. Já pelo nome, vemos uma grande influência da arte clássica, o que levou ao Arcadismo também ser chamado de Neoclassicismo”.

“Diversas características e termos devem ser explicados nesse momento. Os poetas árcades buscavam sempre o uso de pseudônimos para evitarem a censura da época. Os nomes geralmente eram de pastores, o que elucidava a presença da mitologia greco-romana, assim como do pastoralismo. Grandes poetas árcades brasileiros como Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Basílio da Gama adotavam esses pseudônimos, o primeiro chamava-se Dirceu, enquanto os demais Glauceste Satúrnio e Termindo Sípílio, respectivamente” – falou tio José.

Dando continuidade, prosseguiu: “Tomás Antônio Gonzaga foi o autor do grande poema satírico “Cartas Chilenas”, onde o mesmo fazia uma crítica disfarçada ao governador de Minas Gerais e aos seus desmandos políticos e morais. Ele também escreveu “Liras a Marília de Dirceu”, obra onde o autor exalta, através de pseudônimo, o amor a sua amada. Já Cláudio Manoel da Costa foi precursor do Arcadismo no Brasil e um dos inconfidentes. No seu poema Vila Rica, ele retrata a descoberta de ouro em Minas Gerais. Preso por participar do movimento inconfidente, foi encontrado morto logo após. Muito dizem que foi por suicídio, mas vai saber… Basílio da Gama ficou conhecido pelo seu poema “Uraguai”, onde ele exalta a vitória do governo monárquico sobre os índios de Sete Povos das Missões, atual Rio Grande do Sul. Um último autor deve ser citado, Frei Santa Rita Durão. Autor da obra clássica, já adaptada para a telas, “Caramuru”, onde se discute o mito do amor universal”.

Fico estupefato toda vez que ele me explica algo. O tempo passa e nem sentimos. O papo é sempre ótimo. Eu não queria incomodar muito, pois sabia que era o dia de descanso dele e que teria que preparar suas aulas semanais, mas uma vez iniciada a explicação, ela teria que ir até o final.

“Garoto! Depois de tudo contextualizado e seus autores devidamente apresentados, vamos as características. O Arcadismo tem como marca maior o bucolismo. Os poetas cansados dos problemas das cidades, buscavam, em suas narrativas, exaltar o campo como lugar perfeito de se viver. Essa busca por uma vida mais simples acabou gerando outras características como: a oposição ao Barroco, o equilíbrio e a busca pela perfeição, a pureza e a ingenuidade humana, além de uma linguagem simples e objetiva. Os temas eram voltados para o cotidiano; a mulher era idealizada, mas era demonstrado um certo amor carnal (coisa que no Barroco era considerada pecado). Como já dito anteriormente, os ideais iluministas fizeram com que os poetas árcades fossem mais racionais. A mitologia trouxe de volta o culto a diversos deuses e a reaparição de diversas figuras mitológicas. O soneto era o estilo poético favorito da época” – falou empolgado.

Ele fez uma pausa e pegou um dicionário de latim. Pensei que já havia terminado. Que nada! Ali começava uma série de explicações de termos oriundos do latim, que eram usados no Arcadismo.

“Vamos finalizar, pois preciso preparar minhas aulas. Embora essas conversas contigo acabam me auxiliando a prepara-las. Eu peguei esse dicionário de latim para justamente te mostrar as expressões que eram utilizadas na época. “Fugere Urbem” ou a fuga da cidade, mostra o desejo dos poetas de fugirem das cidades e de viverem nos campos, buscando uma vida tranquila ao estilo Arcádia. “Inutilia Truncat” ou corta o inútil, era não só a busca pela vida simples, mas também pela escrita simples, indo em oposição ao Barroco. “Locus Amoenus” ou lugar tranquilo, coloca a natureza como sendo o único lugar para se ter uma vida sossegada e paz de espírito. “Aureas Mendiocritas” ou equilíbrio do ouro, demonstra a necessidade do desapego material em prol de uma vida simples, mas os poetas não praticam, levando a crer na falsidade do Arcadismo. Por último, “Carpe diem” ou colher o dia, visto também no Barroco, visa mostrar o aproveitamento da vida ao máximo, e ao contrário do anterior, sem pensar nos pecados”.

A conversa havia terminado. Meu tio José explicou brilhantemente mais uma escola literária. Eu levantei e fui conversar com minha avó no jardim, deixei meu tio sossegado para preparar as aulas dele e depois descansar. Eu não ia demorar muito, havia passado só para dar um alô e ganhei uma bela explicação.

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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