Fabio Rodrigo

Um dia a menos

Ele foi chamado para comparecer urgentemente ao departamento de existência na Terra. Chegando lá, lhe informaram que teria que perder um dia na semana. “Por que irei perder um dia na semana?”, perguntou. A atendente lhe explicou que o planeta Terra passa por um momento muito delicado. Que a população terrestre está bem acima do esperado para este século. Ou seja, não há lugar pra todo mundo. Daqui a pouco não vai haver mais oxigênio suficiente para todos. Por isso, o superintendente máximo de ações governamentais da Terra comunicou que só haverá seis dias na semana para cada habitante terrestre. Mas não vai mudar o calendário. Não haverá a anulação de um dia da semana. Não é isso.

– O que vai ocorrer é que você vai perder um dia da semana. E será o sábado.

– Mas como vou perder este dia?

– Perdendo, ora bolas. Você vai desaparecer da face da Terra neste dia. À meia noite de sexta-feira, você irá sumir e só irá retornar na madrugada de domingo.

– Mas não posso trocar este dia pela segunda-feira?

– Não. Você não tem direito à troca. O dia escolhido está de acordo com o seu padrão de vida, seu meio em que vive, com sua natureza genética… e foi pensado pelas instâncias máximas que controlam a Terra. Você foi designado a perder o sábado; outros irão perder o domingo; outros, a segunda; e assim sucessivamente…

Desolado, ele voltou para casa. Pensou nas várias coisas que deixará de fazer no sábado. Decidiu que terá que replanejar sua vida para se adequar ao seu novo calendário. Sábado era dia de cuidar da casa, de estar com os filhos, de fazer compras…

Nos primeiros dias após a perda do sábado, ele precisou se habituar a sua nova rotina. Mesmo cansado de trabalhar até tarde na sexta-feira, acordava cedo no domingo para cuidar da casa e dar tempo de passear com os filhos. O bate papo com os amigos passou a ser às quintas à noite, dia em que sua esposa não está na face da Terra.

Depois de anos, já acostumado com sua rotina, recebeu a notícia de que a Terra passaria por mais um ajuste. O superintendente máximo de ações governamentais da Terra foi então à TV dar explicações a respeito da nova perda de dias na semana. E seu discurso não foi nada esperançoso.

Dias depois, chegou enfim a carta pedindo que comparecesse ao departamento de existência na Terra. No entanto, ele não quis saber de nada disso e jurou que não iria até lá de jeito nenhum. Que iria levar a sua vida do seu jeito. Rasgou então a carta em mil pedaços. Sabendo disso, o departamento de existência na Terra encaminhou a ele uma nova carta comunicando a sua expulsão da face da Terra.

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Fabio Rodrigo

Fábio Rodrigo é professor de Língua Portuguesa da secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro e é doutorando em Língua Portuguesa pela UFRJ. Recentemente adquiriu o título de mestre em Estudos Linguísticos pela UERJ/FFP. Tem se dedicado a escrever crônicas que abordam temas do cotidiano e sua relação com a língua portuguesa e que são publicadas semanalmente no jornal Daki e no portal Entre Poetas e Poesias. Seu primeiro livro, Mixórdia e outras histórias, lançado pela editora Apologia Brasil, é uma coletânea de crônicas publicadas tanto no Daki quanto no portal. Suas crônicas, em sua maioria, são ambientadas no município de São Gonçalo, cidade em que o escritor nasceu e em que trabalha como professor. Como professor de Língua Portuguesa, Fábio Rodrigo procura aproximar o conteúdo das aulas de Português ao dia a dia, e seus textos são o resultado disso.

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