Ivone Rosa

COMER O LIXO

        Algumas pessoas perguntaram-me como estou enfrentando o isolamento social. Para mim não está sendo ruim, pois já passei por uma reclusão bastante difícil na minha infância.

Fiquei impossibilitada de andar por dois anos! Minha mãe precisava de ajuda para levar-me à escola. Quando eu chegava à sala de aula, os alunos estavam bem aglomerados em um canto da sala e a minha carteira, isolada, próxima das janelas. Não era apenas o espaço que nos separava, as crianças foram proibidas pelos pais de brincarem comigo.

Frequentar à escola era um prazer! Porque sempre gostei de estudar. Porém, quando chovia eu era obrigada a faltar. Não havia meios de alguém carregar-me junto ao guarda-chuva.

 Durante esses dois anos ninguém em minha casa fez aniversário. Eu, inclusive! Somente o Natal era celebrado. A minha família era muito festiva. Era complicado eu entender o silêncio e a tristeza que tentava abater a minha casa.

Este meu relato não tem como objetivo, contar uma história triste. Muito pelo contrário! Quero exaltar a importância da leitura: os livros sustentaram–me!

Meu pai era zelador de um prédio residencial, e separava do lixo, as revistas [Seleções], clássicos literários e outros filosóficos faziam parte da enorme bolsa que eram meu alimento.

Além do amor e carinho que sempre recebi, nos momentos em que ficava sozinha no quarto, os livros eram a minha companhia permanente. A comunhão era tão intensa que eu conseguia visualizar os personagens e as demais ações. Assim entre uma obra e outra, aprendi assuntos referentes à amizade que deve ser cultivada sem o excesso de intimidade, o que favorece ao desrespeito. E também sobre compartilhar o que pode ser doado. Algo registrado nas páginas do livro de Gandhi. É bem verdade que eu também lia argumentos que não entendia devido à imaturidade, mas ainda assim foram bastante significativos anos depois.

Hoje vivemos uma situação inimaginável! Isolamento social que exige distância do contato físico, a necessidade de reaprender velhos costumes e viver sem consumismo desenfreado.

Portanto, o resultado final é descobrir que você mesmo é sua melhor companhia e junto de um bom livro…ah, é o banquete perfeito!

IVONE ROSA

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Ivone Rosa

Professora de Literatura & Produção Textual Pós- Graduada em Gestão Educacional Roteirista formada pela Academia Internacional de Cinema-AIC/RJ Poetisa, cronista e contista 1º lugar - melhor intérprete Concurso Poesia SESC Niterói/RJ Menção Honrosa -Concurso Poesia -Duque de Caxias /RJ Participações: Antologia Diário da Poesia, Biografia Jornalista Jota Sobrinho, Diário em Poemas, Almas em prosa e verso, Coletânea Diários Escritos. Participações nos Fanzines: Poezine[Lit.na Varanda] e SerMentes - Sec.Educ.Niterói/RJ Palestrante Escola Pública sobre a Resistência da Mulher

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2 Comentários

  1. Ivone, seu relato traz a tona valores que infelizmente a sociedade esqueceu. A começar pelos lares, onde os pais não lembram mais do que é ser um herói (exemplo) para os seus filhos. Você fala da profissão de seu pai e da sabedoria dele ao te levar livros descartados. Pois é, o que não nos serve, é muito útil para outros. Hoje, enfrentamos um distanciamento social para os mais cultos, pois estes, percebem a importância do olhar para a situação. Em compensação, muitos acham que o distanciamento não é digno. Esquecem que todos nós somos um só e tudo isso é necessário para sairmos mais fortalecidos (espero), para situações como você mesmo narrou não aconteçam mais. O DISTANCIAMENTO DISCRIMINATÓRIO. Parabéns.

  2. Parabéns amiga triste mas linda sua historia, só quem passa “aperto “na vida que sabe dar valor as pequenas coisas ao seu redor. Beijinhos

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