João Rodrigues

Dança da chuva

Eu estava calçando os tênis para dar uma voltinha com meu cachorro, quando o trovão roncou. As crianças das casas da frente gritaram “Obaaaaaa!”. Pronto! Acabou minha caminhada. Tirei os calçados e armei minha rede de frente pra rua.

Meu cachorro me olhava, mexendo as orelhas, sem entender a razão de minha desistência. Olhava pra mim, corria até o portão, por fim desistiu e foi se deitar.

Outro trovão, agora mais forte. Os gritos da meninada soaram mais estridentes. Da minha rede, fiquei olhando aquela arrumação. Umas quatro ou cinco crianças, feitos curumins, dançavam a dança da chuva ao modo delas. Que alegria!

Uma mãe gritou “Cuidado com o relampo!”. Bom, pelo menos eu ouvi; não sei se elas ouviram. O vento chegou, fazendo dançar os galhos das árvores. Os primeiros pingos caíram, e com eles gritos de alegrias se intensificaram. Um corre-corre, um burburinho, um não sei o quê mais começou.

A chuva chegou. Engrossou. Mais um trovão daqueles. Uma mãe gritou de novo. Ninguém ligou. A água forte começou a escorrer do jacaré. Um empurra-empurra se formou debaixo dele. Todas, ao mesmo tempo, queriam sentir a pancada da água na cabeça. Por fim se revezaram, mas só por um momento. O bom mesmo era correr na rua, chutar a água, abrir os braços, gritar.

Alheios ao meu olhar, corriam, gritavam, pulavam, como se aquela fosse a última chuva da vida. Jamais imaginaram que do outro lado da rua, através das grades de um portão, havia um adulto-menino morrendo de vontade de se juntar a eles, poder gritar, correr, chutar a água que escorria, soltar barquinho de papel na correnteza que cismava de passar, abrir os braços e sentir os pingos banharem seu corpo e sua alma. Jamais imaginariam que naquele corpo adulto havia uma criança presa, louca de vontade de se libertar, de voltar aos velhos tempos e banhar-se de corpo e alma naquelas gotas que caíam livremente do céu, que banhava a todos, sem distinção. Velhos e jovens, ricos e pobres e quem quer que fosse, bastava botar os pés na rua para sentir a alegria que vinha dos céus.

Lamentei ter crescido.

João Rodrigues

 

 

 

Créditos da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/chuva-depois-da-chuva-gotas-228855/

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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