Oswaldo Eurico Rodrigues

Com o rei-na-barrigamente: um estudo sobre a arrogância

Com o rei-na-barrigamente: um estudo sobre a arrogância

 

As crianças têm sempre ideias interessantes. Conversava com algumas delas (por volta de trinta) sobre ditos populares. Acabamos falando sobre circunstanciais (a gramática, mais cedo ou mais tarde, sempre aparece) e sobre a arrogância humana. Toda a conversa surgiu devido um causo dum doutor soberbo a humilhar um caboclo analfabeto. Não vou contar o final. Caso a curiosidade te torture, o nome da narrativa é “O doutor e o analfabeto”.

Sem mais delongas, continuemos a escrever. Como estava dizendo, as crianças conversavam comigo animadamente depois da leitura. Alguém dizia uma máxima da sabedoria popular e os demais a explicavam em linguagem denotativa. Alguns se expressavam com gírias atuais, outros usavam a norma culta da língua. Uns eram poéticos e acabavam por recriar; outros não. E fomos nesse exercício até chegar a vez de um dos meninos mais espertos da turma criar um circunstancial de modo. Ele fundiu o dito popular com o “rei na barriga” com o sufixo de modo -mente e surgiu, então, o advérbio “com o rei-na-barrigamente”. Prometi a ele e aos demais um texto sobre as pessoas que agem “com o rei-na-barrigamente”. Demorou alguns meses, mas o texto está crescendo. Qualquer dia desses o rapazinho estará lendo dessas linhas a se desenrolarem agora enquanto eu enrolo a você, caro leitor. Talvez você seja o pai do meu aluno, sua mãe, tio, avó… Não sei! Coincidências existem ou não? Não sei! Só que quando acontecem, e, se são felizes, comemoramos. Vou começar a festa!

Já pararam para pensar sobre o dito popular “Fulano parece que tem o rei na barriga”? Eu fui pesquisar a origem dele e descobri que, provavelmente, venha do tempo da colonização portuguesa no Brasil. As rainhas, quando grávidas do rei, eram muito bem tratadas por toda a corte por carregarem em seu ventre uma criança herdeira do trono. Era natural as rainhas, devido ao paparico, se sentirem privilegiadas, cheias de si mesmas por estarem com o rei na barriga.  Pesquisa feita. Continuemos…

Criação de neologismos é muito interessante. Eles trazem sabor novo à língua. São capazes de explicar, às vezes, numa só palavra conceitos difíceis; expressam sentimentos complexos com eficácia e bom humor. São capazes também de unir ou separar grupos de pessoas. Ora elogiam bem legal e são aceitos por todos, ora ofendem e causam ranço em muita gente. Tal sentimento de nojo pode levar ao cancelamento. Não sou muito fã desse time. Minha tribo é outra: a daqueles que leem, ouvem, discutem e tentam a melhor saída. Confesso, já ter stalkeado algumas pessoas. Porém, não as cancelei. A diversidade me atrai. Não necessariamente me assusta. O silêncio pode produzir monstros terríveis, capazes de fazer o impossível. Diante deles, cancelamentos não bastam. Eles continuam na surdina ou na força bruta. Precisamos estar bem na fita. Talvez seja meio old nas minhas palavras e num construir vintage (se assim posso dizer). Só sei duma coisa: quero falar sem parar assim como nosso amigo do segundo parágrafo e outros tantos rapazinhos do bonde dos tagarelas. Na realidade, o grupo das pessoas mais simpáticas desse mundo. Quero fazer parte dessa galera! Pretensão? Não sei. Se você for capaz de me explicar, eu te ouvirei. Decifra-nos ou te cancelamos! Leia até o final ou você verá suas postagens na Internet todas com deslikes. Você suportaria isso? Tenho certeza que não! Aliás, como nos anos 1980, ouço a voz do Roupa Nova em seu “Coração pirata”, música de Nando e Aldir Blanc: “Sou amante do sucesso / Nele eu mando, nunca peço / Eu compro o que a infância sonhou / Se errar, eu não confesso / Eu sei bem quem eu sou / Eu nunca me dou”

Atualmente, somos bem assim. Queremos tudo, sem, na maioria das vezes, dar nada em troca. “Eu levo a vida como eu quero / Estou sempre com a razão / Eu jamais me desespero / Sou dono do meu coração / Ah, o espelho me disse / Você não mudou”. Você não mudou! Nós não mudamos! Eu não mudei. E saímos como corsários a serviço do rei (esse que está na nossa barriga). Militamos como súditos de alguém sem coroa a impor padrões de comportamento. Esse parece não estar na nossa barriga, mas, pior: na nossa mente e coração. Lacrei!

 

Mostrar mais

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo