Desabafos & DiscussõesLuiza Moura

Reflexões da saudade

Queria levar de cada lugar um pouco nas mãos assim como carrego no coração e em minha mente. Talvez pela convicção e pela ciência de que nada jamais será o mesmo. Pois ainda que os lugares se repetissem, as pessoas não seriam as mesmas, nem em presença, tão pouco em si mesmas. Porque sei que em cada lugar, a cada momento, com cada pessoa deixo um pouco de mim e carrego um pouco também. Essa transformação constante e voraz que nos faz perfeitamente inconstantes, inacabados e únicos em nós mesmos, diferentes a cada instante; é essa mudança que dá a vida o sabor da conquista, da alegria, da renovação. Mas essa mesma mudança perene deixa em nós o sabor da saudade daquilo que vivemos, do que sentimos ou às vezes até do que nem sabemos ou vivemos.

Queria carregar comigo, não apenas em minha memória ou no meu coração, um pedaço de cada dia vivido, uma lembrança de cada história contada, cada abraço dado, cada lágrima derramada (de alegria ou dor), cada mão apertada, cada sorriso; tudo isso como numa utópica coexistência entre passado, presente e futuro.  Não que não tenha vivido maus momentos ou até alguns que queira esquecer, mas sei também que cada um deles fez de mim o que hoje ESTOU. Gostaria de acordar pela manhã e reencontrar todos os meus velhos e novos amigos, todas as pessoas que amo, que gosto ou gostei, não como quem reencontra, mas como quem nunca deixou de ver e conviver. Naquele contato próximo que só um sentimento forte e bem alimentado pode concretizar.

Adoraria viver com a mesma precisão e realidade cada gargalhada dada, cada emoção vivida, cada momento que respirei fundo de alegria ou perdi o fôlego de emoção e prazer. Adoraria inclusive ver realizada nesse “mix” fantástico de passado, presente e futuro, cada esperança contida em minha mente, cada vontade não tentada e até todos os sonhos guardados ainda em mim. Até aqueles já realizados! Como seria doce a sensação de revivê-los de modo único como naquele momento. Talvez até como um sabor maior, pois parece que para nós humanos a felicidade tem um quê de passado relembrado, de saudade carinhosamente vivida, pois os melhores momentos e os ápices de alegria são invariavelmente reconhecidos após o seu termo.

Gostaria de aí então ver suplantada toda essa saudade das coisas vividas, esse olhar saudosista. Como seria incrível saborear cada momento e vivê-los novamente de uma só vez. Bem sei que o passado cede sempre lugar ao presente, e este por sua vez despede-se com a chegada do futuro, que tão logo torna-se presente também. A questão é que a vida segue invariavelmente o seu curso. Ah! Se pudéssemos mergulhar no rio da vida e num só ponto poder experimentar toda ela em sua grandiosidade. Certas vezes chego até a me envergonhar do que fui, do que fiz, mas jamais do que vivi.

Imagino então quando ao fim da vida olhar para tudo que vivi e descobrir que a maior riqueza conquistada foi esse quadro de lembranças que em mim ficaram e ficarão por toda a eternidade. Contemplar com meus próprios olhos, ou melhor, na minha própria mente, o tesouro que foi e é essa concha de retalhos de momentos, de alegrias, de sorrisos, de lágrimas, de amores, de amizades, de saudades, de sonhos e realizações. É porque lá, bem no finalzinho, talvez eu descubra que é só o início, que tudo é sempre recomeço e que as memórias que hoje me tomam pela saudade, me tomarão também pela satisfação de dever cumprido, de vida bem ou mal conduzida, mas com certeza: bem vivida.

Gostaria também nesse momento de conversar comigo mesmo em tempos diferentes, com um daqueles sujeitos que eu fui. Não para tentar responder cada questionamento um dia feito, ou para dizer ao meu jovem Eu que tínhamos muitas vezes as respostas erradas a perguntas ainda não feitas. Tão pouco para dizer àquele meu Eu passado que finalmente teria encontrado a resposta para todas aquelas perguntas da vida. Mas ao contrário, tão somente para compartilhar o fato de que apesar de ainda compartilhar as mesmas questões carrego e carregarei muitas outras comigo, confortando-me apenas ao informar-me a feliz descoberta de que são essas questões que nos movimentam e de que a vida é esse perpétuo palco de descobertas e redescobertas.

Talvez somente aí eu possa entender realmente porque não pude viver todas essas lembranças de uma só vez, ou até revivê-las melhor e com mais emoção. Talvez neste momento possa compreender melhor o porquê da vida ser esse rio de fluxo contínuo, o porquê não podemos nos banhar nunca mais nas águas da mesma realidade, o porquê o crescer requer não apenas deixar muito do que fomos e somos, mas também do que vivemos e de com quem convivemos para ceder espaço ao novo. Talvez eu possa descobrir nesse momento também que o sabor das lembranças seja tão doce quanto o da vivência, e que recordar os fatos e pensar a vida é também uma das doces faces da existência.

Enquanto isso, eu continuo a dialogar comigo mesmo, rogando a cada lembrança que permaneça a me alimentar de alegria sem matar-me de saudade; pedindo a cada experiência vivida (hoje vivas apenas em minha mente) que prossiga a ensinar-me, sem impedir-me, no entanto, de mudar, de ceder lugar ao novo. Converso com todo o meu Eu passado, e mesmo criticando-me por muito do que era e hoje não mais tolero, agradeço-o por ter trazido-me até aqui e construído-me como sou. Pois bem sei que também o que sou agora tão logo cederá lugar a uma nova realidade, a um novo momento e sentimento, a um novo Eu. E não me assusto com isso! Dói-me apenas a dura realidade de que para isso deixarei para traz toda a realidade hoje vivida, muitas das pessoas hoje próximas e queridas.

Consola-me apenas a ciência de que a renúncia é parte imprescindível e indissociável da mudança e do crescimento. E que por mais que doa, abandonar o passado e o presente apenas nos recantos de nossas mentes e corações é tomar a porta dos sonhos e aspirações, é seguir o progressivo e irregressível caminho da vida, é percorrer a trilha da existência no seu rumo incessante para o futuro!

(Esse texto é de Ícaro Ivvin, professor, advogado, escritor, poeta e apaixonado pela vida! Instagram: @icaroivvin)

Participe também dessa coluna! Envie o seu texto (de desabafo ou reflexão) para o email lmsn_91@hotmail.com ou entre em contato pelo instagram @luiza.moura.ef. A sua voz precisa ser ouvida! Juntos temos mais força! Um grande abraço e sintam-se desde já acolhidos!

Luiza Moura.

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Luiza Moura

Luiza Moura de Souza Azevedo é de Feira de Santana. Enfermeira. Psicanalista e Hipnoterapeuta. Perita Judicial. Mestre em Psicologia e Intervenções em Saúde. Doutora Honoris Causa em Educação. PhD em Saúde Mental - Honoris Causa - IIBMRT - UDSLA (USA); Doutora Honoris Causa em Literatura pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. Possui MBA em gestão de Pessoas e Liderança. Sexóloga; Especialista em Terapia de Casal: Abordagem Psicanalítica. Especialista em Saúde Pública. Especialista em Enfermagem do Trabalho. Especialista em Perícias Forenses. Especialista em Enfermagem Forense. Compositora e Produtora Fonográfica. Com cursos de Francês e Inglês avançados e Espanhol intermediário. Imortal da Academia de Letras do Brasil/Suíça. Acadêmica do Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires. Membro da Luminescence- Academia Francesa de Artes, letras e Cultura. Membro da Literarte- Associação Internacional de Escritores e Artistas. Publicou os livros: “A pequena Flor-de-Lis, o Beija-flor e o imenso amarElo” e "A Arte de Amar. Instagram: @luiza.moura.ef

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