Valdeci Santana

O palhaço

O palhaço.

Respeitável público!

Rufem os tambores.

Reverbera no centro do picadeiro, o timbre metálico do apresentador, incitando o espirito alegre que se agita em quem se acomoda nas tábuas da arquibancada. O cheiro de pipoca no ar traz de volta a juventude. Nos olhos das crianças, o brilho radiante refletindo as luzes que focalizam os artistas circenses.

Debaixo da velha lona, onde resplandece um céu pintado repleto de amarraduras, a plateia aguarda ansiosa por sorver a seiva graciosa do riso, ofertada pelos artistas da alegria.

No apertado camarim, mergulhado num mundo de bugigangas circenses e em sua própria solidão, o palhaço pinta a alegria num rosto amassado pela tristeza. No palco seu luzir é intenso e contagioso, capaz de dissipar, com um único gesto atrapalhado, todas as trevas acumuladas do cotidiano em quem assiste.

As cortinas logo se abrirão, e com elas, seu sorriso maquinalmente também se abrirá. Sua missão é espantar a tristeza alheia, mesmo que lhe custe sua própria alegria. Ele sabe que é um gentil servo da alegria, e cada gargalhada subtraída revigora sua energia. É como se ele fosse uma criatura que se alimenta do riso alheio.

O espelho reflete um rosto abatido, retorcido pela saudade que deixou sua amada equilibrista, que tal qual o circo em sua vida nômade, rumou outras direções. Tão distante brilha sua amada equilibrista que sua graça negou. Em desequilíbrio tropeçando na própria tristeza, sorri o palhaço no picadeiro.  Com uma das mãos ele ajeita a simetria do rosto, enquanto que com a outra, desenha a felicidade em seu rosto ondulado de tristeza. É preciso sorrir!

Ajeita a peruca, o nariz redondo, cuja vermelhidão lembra o batom de sua amada. A roupa despojada e folgada no corpo esconde a magreza que a falta de apetite deixou. Sua amada equilibrista não estará suspensa nas cordas, tal qual um astro cintilante na transversal do picadeiro. Quando as luzes se apagam e um canhão focaliza o centro do picadeiro, seu rosto se ilumina. É hora de brilhar. Seu sorriso gigante sobrepõe sua tristeza, sua saudade. A carapaça do riso é seu escudo para ocultar dos espectadores, as batalhas que ele trava na alma.

Destemido, com a coragem gigantesca de quem enfrenta a vida, o palhaço esbanja seu melhor sorriso. É necessária muita coragem para sorrir. Sorrir é mais que um rasgar involuntário de rosto. É externar o que a alegria que se enche a alma. É extravasar num gesto, toda a energia que circunda seu espirito.

Uma gargalhada aqui, um tropeção intencional acolá, um tombo ali, e assim segue a vida. Quando os aplausos se esparramam abaixo da lona, se misturando as múltiplas reações de alegria, o palhaço finalmente conclui sua missão. No picadeiro os vestígios de gargalhadas colhidas pelo palhaço ainda desfila nos rostos satisfeitos. O espetáculo segue. De volta ao camarim, o palhaço retira lentamente a maquiagem, sua capa de herói do riso. Logo ele é somente um cidadão comum, corroído pela saudade. O palhaço chora em silêncio, sem alarme, para não afugentar o riso alheio.

Fonte:https://www.pexels.com/pt-br/foto/foto-de-homem-com-pintura-facial-2970501/

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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