Ivone Rosa

A ESTREIA

Existem alguns fatos que marcam nossas vidas, excepcionalmente na infância. Durante muitos anos, o aparelho televisor era com imagens em preto e branco. O que já era um luxo! Poucas casas tinham televisão onde eu morava. Por isso, o passeio ao cinema, pela primeira vez,  ficou registrado em minha memória.

Eu já havia passado para a segunda série primária, os alunos eram dois anos mais velhos, e as conversas bem diferentes dos meus amigos vizinhos. Os meus colegas de turma, já conheciam um cinema e quando me perguntavam se eu já tinha assistido tal filme, muito constrangida eu respondia que não.

Minha mãe precisou ser hospitalizada e o vazio na casa era enorme! Minhas irmãs combinaram de levar além de meu irmão caçula, uma amiga minha. Observando os dois, pareciam que não sentiam a mesma felicidade que eu. A ansiedade fazia o meu coração bater acelerado! Sem contar as inúmeras vezes que olhava para o relógio, de um móvel antigo da sala, cujos ponteiros permaneciam congelados!

Usei o vestido de festas feito por minha mãe. Minha irmã mais velha caprichou no meu penteado, amarrou na comprida trança um laçarote de cetim de cor lilás. Na bolsinha, um pacotinho com biscoitos de nata, receita também de minha mãe, calcei as sandálias da minha primeira comunhão. Tudo estava perfeito!

Chegamos ao Cinema Icaraí. O cheiro de pipoca disputava o espaço com a brisa que vinha do mar naquele final de tarde. A fila quilométrica! Eu que pensava que seria só pagar entrar?! Ledo engano… demorou bastante. Até que chegou o grande momento. Assim que entramos, veio a primeira insatisfação para uma das minhas irmãs:  o primeiro andar já estava lotado! Para mim não fazia a menor diferença, o importante era estar ali, ver o filme, tela gigante e colorida! Eu li todos os cartazes sobre as próximas exibições, gostaria de anotar tudo, seria capaz de deitar no chão e ficar ali desenhando aquelas imagens. Não tinha papel tampouco lápis para escrever.

Finalmente entramos. As cadeiras eram de madeira, não foi bem assim que imaginei. As lâmpadas estavam acessas… como o teto era alto! Logo que sentamos tudo ficou escuro deu-se início ao grande espetáculo: tela gigantesca! Que colorido fantástico! O som terrivelmente alto! Estava extremamente emocionada. Toda essa emoção foi interrompida quando começou o filme, era tudo em inglês! Certo, havia legendas. Porém, eu não conseguia acompanhar porque ainda queria pegar todos os detalhes das imagens; acima de tudo não era um filme para crianças e sim para jovens!

Não via a menor graça enquanto minhas irmãs riam. Ainda assim valia a pena o grande show.  De repente ouvimos um barulho de explosão! A plateia gritou em coro! Não era algo cinematográfico porque a sala transformou-se em um breu! Várias pessoas falavam sobre as prováveis causas, quando alguns homens uniformizados [lanterninhas] entraram à sala e disseram que o transformador da rua principal havia estourado! Todos em uma só voz: “Oooooh!” Não percebemos que lá fora caía um forte temporal. Fomos informados  de que haveria uma sessão especial no dia seguinte para todos presentes.

Acreditei que voltaríamos no outro dia, mas não aconteceu. Era segunda-feira e minhas irmãs tinham compromissos. Ficou a promessa de quando nossa mãe saísse do hospital, todas iríamos juntas. Isso também não ocorreu. Assim é a vida… “Infelizmente nem tudo é, exatamente como a gente quer!”( Deixa chover – Guilherme Arantes)

 IVONE ROSA

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Ivone Rosa

Professora de Literatura & Produção Textual Pós- Graduada em Gestão Educacional Roteirista formada pela Academia Internacional de Cinema-AIC/RJ Poetisa, cronista e contista 1º lugar - melhor intérprete Concurso Poesia SESC Niterói/RJ Menção Honrosa -Concurso Poesia -Duque de Caxias /RJ Participações: Antologia Diário da Poesia, Biografia Jornalista Jota Sobrinho, Diário em Poemas, Almas em prosa e verso, Coletânea Diários Escritos. Participações nos Fanzines: Poezine[Lit.na Varanda] e SerMentes - Sec.Educ.Niterói/RJ Palestrante Escola Pública sobre a Resistência da Mulher

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